Por que o trabalhador está mal protegido?

Por Gazeta Admininstrator

Nós que vivemos no exterior, constantemente antenados naquilo que se passa no Brasil, em razão de laços familiares ou negócios, ou ambos, vez por outra nos encontramos analisando situações das quais, pela distância, já perdemos um pouco da sensibilidade. Assim, transcrevemos a seguir artigo escrito pelo brilhante economista e empresário Paulo Guedes, publicado na revista Época, que nos ajuda, de forma clara, sintética e objetiva, a colocar em perspectiva o quadro político brasileiro à luz de sua visão social e econômica.

Por Paulo Guedes, revista Época.

Em plena guerra mundial por empregos, o Brasil tributa com selvageria a criação de vagas de trabalho. A social-democracia brasileira, com todo o seu discurso de inclusão social, tem explorado apenas a via assistencialista e desprezado a integração produtiva dos menos favorecidos. Sua agenda obsoleta não atende às exigências de uma economia mundial cada vez mais competitiva. O trabalhador brasileiro permanece completamente desprotegido para os choques que estão à nossa frente.

A inapetência pela reforma da legislação trabalhista, pela remoção dos abusivos encargos sociais e pela reforma previdenciária revela o despreparo do Congresso Nacional na matéria. E, apesar de essa inércia ser atribuída ao conservadorismo dos parlamentares, ela demonstra que a inclusão social pela via dos mercados de trabalho nunca foi uma prioridade da social-democracia hegemônica no país desde a redemocratização, em 1985.

O traço de continuidade da política brasileira nas últimas duas décadas e meia seria o "peemedebismo, espécie de consenso conservador feito para acomodar todo mundo e deixar tudo como está", conforme o filósofo Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e da Unicamp em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo no último dia 9. O símbolo desse "fenômeno singular da cultura política brasileira", o princípio e o fim dessa mixórdia, seria o ex-presidente José Sarney, atual presidente do Congresso Nacional. É no apoio à inoperância, à blindagem contra escândalos, à manutenção do muito que há do Antigo Regime que se destaca o "peemedebismo".

Além disso, o "peemedebismo" estaria também tornando o sistema político insensível à indignação da sociedade. Basta ver a sucessão de crises e seus efeitos cada vez menores. "A gente pode gritar quanto quiser porque o sistema está começando a se fechar em si mesmo", afirma Nobre.

A análise tem seus méritos, mas o fenômeno é mais complexo. Sarney tornou-se realmente o símbolo de uma transição incompleta. E, sim, há uma inegável continuidade no processo de degeneração da política brasileira nestes 25 anos de social-democracia em suas mais diversas variantes. Mas o problema não é só o conservadorismo fisiológico do PMDB, esse instinto de sobrevivência pela adesão oportunista ao governo descrito por Nobre. É também a inapetência por reformas, a obsolescência da própria agenda social-democrata que permite a criação desse vácuo de poder. É o vazio da "vanguarda" que produz o cortejo do "atraso".

No poder, PT e PSDB seguem a agenda obsoleta - sem fazer as reformas tão necessárias ao Brasil.

PSDB e PT se revezam no poder há cinco eleições presidenciais com alianças oportunistas, retrógradas e visceralmente corruptas, conforme acusações recíprocas. Por que não houve uma proposta de reforma política? Por que não se uniram contra tudo isso? Por que as batalhas partidárias têm se limitado à tomada de poder? Por que prossegue ininterrupta a sequência de escândalos de corrupção envolvendo o uso de recursos públicos?

Nunca houve uma agenda positiva de reformas. A disputa política foi sempre uma guerra de extermínio entre espécies semelhantes (tucanos e petistas) pelo domínio de um nicho ecológico: a hegemonia social-democrata. E, uma vez no poder, aí sim vale o "cortejo ao atraso" para manter o vazio de sua agenda, para explicar sua omissão quanto às reformas necessárias, principalmente a reforma política.

O fascinante é que o filósofo se ressente da falta da polarização necessária ao funcionamento da democracia, sem perceber que o problema está exatamente na ausência de alternativas aos partidos social-democratas e aos seus programas obsoletos. Prefere culpar atores secundários que emergiram no vazio das "vanguardas progressistas".

"Cedo ou tarde Dilma terá de entregar ao PMDB o que ele pede", diz Nobre. "É a presidente com possibilidades mais restritas que já assumiu. Suas mãos estão acorrentadas." Discordo novamente. Dilma Rousseff pode escapar desse arranjo que atrasa a modernização do país. De novo, é uma questão de liderança e agenda de reformas.