Prozac ou não Prozac: este é o dilema! - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

prozac

“Talvez meu problema seja devido a um desequilíbrio químico...”, disse a mulher.

“Você tem muitos motivos por estar deprimida”, respondi. “Passou seis meses dificílimos em que quase se separou e perdeu sua família, está há anos com muitos mais quilos do que gostaria e isso a faz sentir muito mal...”.

“Mas talvez haja um desbalance químico que faz com que tudo fique pior”, insistiu ela. “Desde que comecei a tomar o Prozac, me sinto melhor. Parece que não dou importância a coisas pequenas, estou mais calma e de bom humor”.

De fato, notei que ela estava diferente. Dava umas risadinhas estranhas que nunca havia visto antes e exibia uma “leveza” que não me convencia. De verdade, parecia drogada. “Bom, se for um desequilíbrio químico, o que também pode ser - e pensei que essa é a história do ovo e da galinha, será que o desequilíbrio físico não foi produzido pelos anos de desequilíbrio emocional? - então precisaria fazer análises médicas”.

“Como assim?”, olhou-me ela espantada.

“Se é algo químico, você vai poder vê-lo nos números, nos dados dos exames”. “Mas então”, disse ela com um tom desafiador, “os psiquiatras que receitam remédios assim que você fala do teu sintoma...”.

“Certo...”, respondi eu, “fazem isso. Mas não quer dizer que esteja certo!”. E pensei na conivência entre médicos e indústrias farmacêuticas, e nos bilhões de lucro desse mercado. Mas fiquei quieta.

Ela me olhou meio incomodada. Continuei: “Se é uma coisa química, então pode ser concretamente comprovada. E, aliás, é importante porque assim você vai saber exatamente o que falta no seu organismo e em quais quantidades. No momento, você está se automedicando”.

A mulher não gostou muito. “Eu não quero mascarar meus problemas, só preciso estar melhor. Sentia-me como numa TPM aguda, o tempo todo”. Ela continuou.

Lembrei de “Meu sangue é ouro”, de Lara Owen. Pensei no quanto é normal ter uma TPM pesada após um mês pesado. A TPM é o tempo de limpeza emocional da mulher. Quantos mais sapos a mulher engoliu naquele mês, pior será sua TPM. No caso dessa mulher, ela estava engolindo sapos há anos, e, evidentemente, seu sistema nervoso e hormonal estava saturado.

“Bom, se você precisa tomar um remédio durante um tempo, tudo bem. Às vezes precisamos de muletas para poder ir adiante”. Falei.

Ela me olhou, “É, não quero ficar sempre nisso, mas agora está bem assim”.

Pausa.

Ela me olhou meio sem graça.

Eu sorri, “Tudo bem, então vamos adiante. Como vai você?”

Ela parou. “Você quer continuar a falar sobre o remédio?” Indaguei.

“Não”.

“Então, vamos adiante...”

Silêncio. Vazio.

O Prozac é a terceira droga antidepressiva mais vendida nos Estados Unidos. Em 2010, foram receitados mais de 24,4 milhões do genérico do Prozac só nos EUA. A este número já alarmante há de se somar as automedicações, como no caso dessa moça. A DrugWatch’s Patient Advocates alerta contra o abuso do remédio e seus efeitos colaterias, que incluem (sobretudo na infância e adolescência) o aumento de tendências suicidas e comportamentos violentos (sabe-se disso desde 1990). Muitas são as ações judiciárias contra a casa farmacêutica acusada de não tornar suficientemente conhecidos a médicos e pacientes os efeitos colaterais do medicamento.

Uma metaanálise de 2008 demonstrou que “Prozac doesn’t work better than placebo”, ou seja, o efeito placebo funciona tanto quanto o Prozac. O estudo foi publicado no jornal inglês “The Guardian” com o título de “Prozac, used by 40m people, does not work say scientists”. O Prozac não funciona, assim como não funcionam as outras drogas do mesmo tipo. O teste mostrou que as pessoas que usavam placebos melhoraram tanto quanto aquelas que usaram Prozac. O National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) já recomendou psicoterapia no lugar dos antidepressivos.

O que acontece então? Se tomar um comprimido de açucar achando que é um remédio que faz sentir melhor ou um Prozac produzirá o mesmo resultado, parece que o efeito é psicológico. Aparentemente, é como se a pessoa se desse algum tipo de autorização interna para sair do buraco e “se sentir melhor”. Acontece que esse “se sentir melhor” é uma mentira, mentira na medida em que os problemas não foram encarados e resolvidos. A pessoa está na realidade usando um medicamento para se dar a permissão de ser irresponsável consigo própria e sua vida. Negar e neglicenciar problemas sérios é irresponsabilidade.

Uma nova (para o Brasil) tendência no tratamento do alcoolismo chamada Rational Recovery sustenta que o alcóolico não é um doente (conforme a interpretação dos AA), mas uma pessoa que se entregou irresponsavelmente ao prazer imediatista que o álcool (e qualquer outra droga) oferece. Diz Jack Trimpey, o criador do método, que o alcoólico não está “negando” (em denial) quando nega sua dependência da droga, ele estaria simplesmente mentindo. Enfim, ocorre no alcoolismo, como em qualquer outra droga, que a pessoa não deixa de ser ela, mas continua sendo o que é. O marido que agride a mulher e os filhos quando está alcoolizado está mostrando algo de si. Conforme o Dr. Nicoll, especialista em tratamento de dependentes químicos, o álcool libera partes da personalidade que estavam antes camufladas ou não em evidência.

Ao observar a mulher descrita acima lembrei dessa interpretação do uso de drogas - e o Prozac é substancialmente uma droga. Temos muitos personagens dentro da gente. A droga, legal ou ilegal que seja, permite trazer para o palco um desses personagens - e o pior é que oferece impunidade, porque responsabilizamos a droga pelas m* que fazemos, assim como abusamos dos outros sob o poder psicológico que a droga oferece.

Prozac ou não prozac? Quem você quer ser, este é o dilema. O resto é consequência.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com