Qual é o “pobrema” do português?

Por Rodrigo Maia

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Você conhece essas palavras: brusa, crips, Creusa, chicrete, Framengo, bicicreta ou pobrema?

Com certeza, pelo menos uma única vez, você já ouviu. Estas palavras são apenas alguns exemplos de inadequações da fala, e por vezes da escrita, da Língua Portuguesa.

Mas por que tantas pessoas trocam o “L” pelo “R” em casos como os citados no começo do texto? Será que tantos "erros", tão parecidos assim, são normais?

Sempre me perguntei: não é muita coincidência? Afinal, são “erros” muito similares! Como um bom professor curioso que sou, fui pesquisar e cheguei a algumas considerações. Vejam só.

Em Língua Portuguesa, a palavra “igreja”, por exemplo, é originada da forma “ecclesia”, proveniente do Latim. É por isso que quando nos referimos a um assunto relacionado à igreja, falamos em algo ECLESIÁSTICO. Repare: a forma “ecclesia” (Latim) originou a forma “igreja” (Português).

Se pensarmos em outras Línguas de origem Latina, podemos verificar uma perspectiva interessante relacionada à palavra Igreja. Veja:

ECCLESIA (Latim) originou “Iclesia” ou “Chiesa” (Italiano)

ECCLESIA (Latim) originou “Iglesia” (Espanhol)

ECCLESIA (Latim) originou “Église” (Francês)

ECCLESIA (Latim) originou “Igreja” (Português)

A única língua de origem latina em que houve a transição do “L” para o “R” foi o Português! Essa transformação em “R” é um fenômeno linguístico chamado de rotacização ou rotacismo.

Para esse argumento ficar ainda mais claro, veja o exemplo da palavra “escravo”.

A escravidão no Brasil começou, de forma oficial, no período colonial. Portanto, a designação para uma “pessoa que é propriedade de outra” também foi originada da Língua Latina. E a palavra que deu origem a “escravo” foi “esclavus”.  Houve, também, a transformação do “L” em “R”, ou seja, de “esclavus” para “escravo”.

Apenas como curiosidade, ainda relacionada ao vocábulo latino “esclavus”, temos a palavra “slave”, no inglês, que significa escravo.

Com esses e outros exemplos, podemos entender que a “rotacização” do “L” é um fenômeno linguístico característico da Língua Portuguesa falada e escrita em território brasileiro.

Não estou dizendo, de forma alguma, para agora falarmos bicicreta, Creusa, brusa, crips ou pobrema. Os usuários, com o passar dos séculos, serão os responsáveis por validar ou não essas mudanças. A forma “pobrema”, dificilmente, será aceita e dicionarizada.

Estou apenas argumentando que a história de nosso idioma mostra uma certa regularidade em determinadas mudanças, e isso precisa ser considerado.

Se lembrarmos do nome próprio Cleusa, transformado em “Creusa” pela rotacização, entenderemos que as mudanças continuam ocorrendo. Atualmente, o nome Creusa já é comum em nossa Língua, e isso não é uma destruição do idioma. Ao contrário. É apenas o brasileiro em busca de sua identidade.

Alguns puristas gramaticais podem até argumentar ser um retrocesso do Português pensar dessa forma. Porém, se citarmos mais exemplos históricos, todos vão perceber que, atualmente, fazemos uso de um registro idiomático bem diferente do praticado por Camões há alguns séculos. E isso não é um problema ou uma ingratidão do Brasil.

Como sempre argumento, as línguas são vivas, isto é, de acordo com a necessidade dos usuários, elas mudam.  Também não é por essa razão que os brasileiros devem considerar que falamos ou escrevemos melhor ou pior em relação a um português. Nem devemos achar que já temos uma língua completamente diferente.

O registro idiomático brasileiro da Língua Portuguesa é diferente do registro europeu que, por sua vez, também é diferente do registro angolano, por exemplo.

Por isso, falo tanto sobre o Português Brasileiro. Esse registro não é nem melhor, nem pior. Apenas diferente.

Afinal, “A Creusa pode frequentar a Igreja que ela quiser.” Só vamos saber se os usuários vão entender, ou não, tudo isso como um “pobrema”.