A raiva recalcada das mulheres - Viver Bem

Por Gazeta News

raiva

Sonia estava numa relação marital assexuada e fraternal. Ambos não queriam se separar e achavam a relação que tinham, aconchegante e segura. Foi assim até o dia em que o marido arranjou uma namorada. Direito dele pois, afinal, eles viviam como irmãos. Mas Sonia perdeu o sono, ficou desesperada, temeu pelo seu futuro. Não teve, porém, coragem de enfrentar o amadurecimento que a situação requeria, já que relação de irmãos e casamento não combinam, ainda mais quando se tem 40 anos. No lugar de lidar conscientemente com o desafio que a vida lhe lançou, Sonia preferiu tomar pílulas calmantes. Passou a ficar com muito sono. As crises de ciúmes e de desespero sumiram, mas seus ombros latejavam de queimação, como o pelo eriçado de um cachorro bravo...

Ângela parecia estar de bem com a vida, trabalhando duro para manter unida a família e fazendo tudo funcionar. Casada com um homem que ela considerava muito inteligente, ela havia criado dois filhos dele do primeiro casamento do marido e finalmente havia conseguido ter o seu próprio com ele.  Não se sentia valorizada mas estava, de alguma forma, acostumada com isso. Ela havia sempre se sentido assim, inclusive antes de conhecê-lo. Sua autoestima não era das melhores. Ângela era durona, às vezes berrava, mas considerava que tudo estava “em ordem”... fora o fato de seu filho ser muito agressivo e, aparentemente, “sem razão”. Relação complicada Juliana, após um ano e pouco de dedicação exclusiva a uma relação complicada, mas interessante, é repentinamente deixada pelo namorado. Eles pareciam feitos um para o outro, mas o moço era menos “mocinho bom” do que parecia. Voltou para a esposa da qual não estava apaixonado e pela qual não sentia atração sexual alguma. Rompeu com Juliana, com quem tinha enorme intimidade e cumplicidade, e se mudou de cidade. Ela tentou salvar a relação. Falou, implorou, chorou. Em vão. Finalmente, uma urticária no peito e nas costas tomou conta dela, queimando e ardendo (e nenhum remédio resolveu)...

A raiva das mulheres é um tema que vale desenvolver porque existe um escandaloso preconceito que condena a mulher a ser boazinha. Quando o mundo inteiro está lhe dando tapas na cara, o que ela faz? Engole e “aguenta firme”. Quem sabe, talvez, ela acha que assim se garante um lugar no paraíso...?

Recalque causa doenças

Uma vez recalcada, a raiva é somatizada no corpo. E faz mal, provoca doenças, encurta vidas e inferniza os dias. E para quê? Por fidelidade a um estereótipo que condena a mulher a ser “boa”. O preço disso é desenvolver um vulcão interno, que há muitas gerações de mulheres está sendo sufocado, e que dá medo só de pensar.

A solução  a este problema não pode ser simplificada. Não se trata simplesmente de expressar a raiva em explosões emocionais, apesar de que, às vezes, esse possa ser um começo de conversa. Antes de mais nada, é preciso se conscientizar dessa raiva. A somatização ocorre somente naquelas mulheres que insistem em serem “boazinhas”, “cristãs” e “civilizadas”. Muitas vezes, são mulheres que não percebem quanta raiva e dor têm acumulado no peito, na cabeça, no útero, nas mãos, nas costas.

O raciocínio falacioso que essas mulheres usam é: “Se ele é ruim, eu não posso ser igual”. Mas não é bem assim. o foco não é ele. O foco é ela. O que ela realmente sente? O que ela precisa fazer para fazer jus a si mesma? Não se trata de ser como ele, mas de ser integralmente si mesma.

Aceitando e expressando a raiva

A raiva deve ser, em primeiro lugar, reconhecida e aceita: “Estou com raiva”, “Estou com muita raiva”, “Estou furiosa!”. Não há julgamentos aqui, só a constatação de um fato. É normal sentir raiva quando somos feridos, traídos e enganados. A raiva é a emoção da autopreservação. Muitas mulheres acabam caindo em profundas e longas depressões porque mataram a raiva saudável que as teria levado a tomar atitudes positivas para salvar suas vidas. Elas se castraram, impedindo-se, assim, de tomar as iniciativas fortes que precisavam tomar. Cortaram suas línguas antes de falar qualquer coisa “feia”. Amputaram suas mãos antes de fazer algo “do qual possam se arrepender”.

Em seguida, a raiva precisa encontrar um espaço mental dentro de nós para que ela possa se expressar. Usando a mente como uma tela, projetemos nela as fantasias e os “pensamentos” da raiva. Quais  seriam suas ações? Observemos então: o que a raiva tem a lhes dizer, e, sobretudo, quem está falando através da raiva. Muitas vezes, a raiva é a voz do eu interior que foi pisada e exige dignidade e respeito. A raiva pode representar o clamor interior por justiça. Quem vai fazer essa justiça? O espírito santo? A pomba gira? Ou a própria pessoa que sofreu a injustiça? Justiça não é vingança, mas conserto, endireitamento. Afinal, não queremos um mundo melhor?

Juliana fez o exercício da raiva que acabei de descrever e ela disse: “Queria bater nele como sovar pão.” Que fantástica imagem! Pão bom é pão que foi sovado muito, não é? É sovando a massa que o pão fica fofo, gostoso e perfeito para o paladar. Isto quer dizer que os conflitos (as sovadas) podem ser usadas de forma positiva. As cozinheiras de uma vez tinham braços fortes e determinados. Relacionamentos construtivos requerem braços fortes, determinação para o trabalho que a relação exige. Só assim, se pode transformar uma papinha pegajosa e sem graça num pão delicioso. Até parece um ato de amor...

* Adriana Tanese Nogueira www.ATNHumanize.com