Recém-chegada, brasileira diz temer instabilidade social em Paris

Por Gazeta Admininstrator

A brasileira Marcela Telles Ferreira, 29, que mora há dois meses em Torcy, subúrbio no sudeste de Paris, teve de trocar a curiosidade de conhecer a cidade nova por um comportamento de segurança: evitar sair durante a noite e ficar longe das rodas de grupos de adolescentes tão comuns nas ruas parisienses.

O motivo da precaução é o incêndio de dez veículos, ocorrido na sexta-feira (4), na região onde mora, reflexo das violentas manifestações ocorridas em toda a França, que até agora já destruíram cerca de 8.000 veículos, além de escolas e estabelecimentos comerciais. Devido aos distúrbios o governo decretou estado de emergência em todo o país.

Arquivo pessoal

A brasileira Marcela Telles Ferreira, que vive em Paris com seu marido há apenas dois meses

Ferreira, que é nutricionista, foi para a França acompanhar seu marido, o brasileiro Márcio Antônio da Silva Pimentel, 34, que faz o curso de doutorado em engenharia química no país. Ela disse que perto do local onde vive há duas "cités" --prédios com aluguel barato e que abrigam muitas famílias pobres, geralmente de imigrantes.

"Desde que os confrontos começaram a ocorrer nos subúrbios de Paris, fiquei com medo de andar pelas ruas durante a noite, e evito sair após as 20h [a França está três horas à frente do horário brasileiro]. Aqui em Torcy ainda não houve imposição de um toque de recolher como em outras regiões, mas a situação não é confortável. Apesar de a polícia não ter intensificado suas operações nesta área, todos os trens e metrôs de Paris e redondezas estão com a segurança reforçada", disse a brasileira.

De acordo com Ferreira, em Torcy há muitos imigrantes do Senegal e de Camarões, além de várias pessoas provindas de países islâmicos. Segundo ela, é comum ver pelas ruas vários grupos de adolescentes, a maioria não estuda nem trabalha. Essas famílias recebem, afirma Ferreira, um subsídio de cerca de mil euros (R$ 2.590, aproximadamente) do governo francês. Por isso, muitos jovens ficam nas ruas e se envolvem com tráfico de drogas.

"Segundo imigrantes que moram próximos da minha casa em Torcy, com quem conversei, essa situação se repete por toda a França", afirmou.

Disputa de gangues

Ferreira também disse que autoridades locais afirmam que muitos dos conflitos e incêndios provocados em veículos aconteceram devido à "disputa entre gangues".

"Se o grupo de uma região queima 20 carros, outro vai querer queimar 30. Vários grupos estão medindo forças uns com os outros", disse a brasileira.

Embora há pouco tempo na cidade, Ferreira disse ter percebido haver, sim, preconceito contra imigrantes que vivem nos subúrbios, e alertou para o fato de os jovens dessa comunidades não terem disposição para enfrentar o preconceito e a discriminação para conseguir um emprego.

"Realmente essa situação de discriminação acontece aqui. E os franceses também estão muito revoltados porque o dinheiro gasto nos subsídios sai dos impostos públicos", afirma.

Apesar da discriminação com estrangeiros, Ferreira afirma que nunca passou por uma situação em que se sentiu diretamente afetada por ser brasileira. "Todos aqui nos trataram muito bem. Não temos do que reclamar".

Vida normal

Há mais tempo na cidade, dois anos, o brasileiro Marcos Antônio Faria, 35, diz que os episódios de violência não alteraram as atividades cotidianas.

"Não mudei minha rotina, vou normalmente para Paris e até para as regiões que tiveram problemas", diz Faria, que é natural de Caçapava, no interior de São Paulo. Na França, ele trabalha em uma montadora de veículos.

O brasileiro --que vive na cidade de Poissy, 22 km ao sudoeste de Paris-- conta que teve pouco contato direto com os confrontos. "Em Poissy não houve episódios de violência. Em Achires, que é uma cidade próxima, soube de uma escola maternal que foi incendiada e de carros queimados", afirmou.

"Mas estou sempre em Aurnay-Sous-Bois a trabalho. Lá, o clima já era tenso e agora está pior com todos esses confrontos", acrescenta.

Centro isolado

O brasileiro diz que não sente medo e não pensa em deixar a França devido aos confrontos. "Fiquei assustado no início, mas, no centro de Paris, é como se não estivesse acontecendo nada. Se não tivessem as informações na TV, que mostra a violência de 10 em 10 minutos, você passearia pelo centro de Paris e não veria nada. O problema está concentrado na periferia."

No entanto, de acordo com Faria, a população demonstra preocupação com a violência. Ele diz que os parisienses estão muito assustados, percebo isso dentro do metrô, onde afirma ver pessoas se dizendo perplexas com o problema.

Apesar de ter sido pouco afetado pela violência, o brasileiro conta que conhece moradores da periferia que tiveram de se adaptar à situação. "Tenho colegas de trabalham que moram Aurnay-Sous-Bois e foram obrigados a guardar os carros fora da região, devido ao risco de os veículos serem queimados", diz.

Problema antigo

Na opinião de Faria, embora a onda de violência assuste, o problema não é novo na França. "Apesar de Paris ser considerada Primeiro Mundo, a cidade vive esse problema há alguns anos. Por exemplo, no Ano Novo, sempre há carros que são queimados e vitrines das lojas de luxo quebradas na região da Champs-Elysées. A questão se agravou, mas não é de hoje.'

O brasileiro diz acreditar que os distúrbios foram causados pela falta de controle na imigração. "A França tem um sistema de previdência social muito bom, o que atraiu muitos imigrantes. Com o passar do tempo, veio muita mão-de-obra do exterior, o que criou desemprego. Hoje os jovens estão nas ruas e, sem ocupação, partem para a violência, porque se sentem discriminados."

Para o brasileiro, as autoridades francesas agiram corretamente na resposta à crise, e diz acreditar que as autoridades vão pôr fim à "confusão" em breve. "A polícia está nas ruas e, pelas notícias que tenho, a violência já diminuiu. Os toques de recolher já fizeram cair o número de carros queimados. Acredito que a questão se resolva logo."