Relatório mostra mortes de imigrantes detidos nos EUA

Por Gazeta Admininstrator

Um dos detidos havia caído, machucado a cabeça, e estava fora de si. Os guardas o colocaram na solitária e, de madrugada, uma ambulância o removeu do local, mais morto do que vivo.

Mas nenhum funcionário do governo notificou a família do detido, Boubacar Bah, 52 anos, um alfaiate da Guiné que estava nos Estados Unidos com um visto de turismo expirado.

Quando os parentes dele, desesperados, o localizaram no Hospital Universitário de Newark, em 5 de fevereiro de 2007, Bah estava em coma e havia sofrido cirurgia de emergência devido a uma fratura no crânio e a múltiplas hemorragias cerebrais.

Ele morreu no hospital quatro meses mais tarde, sem recuperar a consciência, e seus parentes, em dois continentes, continuam tentando descobrir o que aconteceu.

O nome de Bah é um dos 66 que constam de uma lista do governo sobre mortes de pessoas que estavam sob a custódia das autoridades de imigração, entre janeiro de 2004 e novembro de 2007; no período, quase um milhão de pessoas passaram pelos centros americanos de detenção de imigrantes.

A lista, compilada pela agência de imigração e alfândega do governo por exigência do Congresso e obtida pelo New York Times nos termos da Lei de Liberdade de Informação, é o relato mais completo até o momento sobre as mortes de imigrantes detidos em uma rede de centros federais de detenção, cadeias locais e prisões privadas que se tornou o circuito carcerário de mais rápida expansão nos EUA.

A lista não oferece muitos detalhes, e os que existem muitas vezes não são confiáveis, mas serve como uma indicação genérica sobre casos antes ignorados, como o de Bah.

E reflete uma realidade que preocupa as famílias de vítimas como ele: a dificuldade de obter informações sobre as pessoas em custódia das autoridades de imigração, mesmo quanto elas morrem.

Os parentes de Bah jamais viram os registros internos da Corrections Corporation of America, a empresa que administra o centro de detenção de Nova Jersey para o governo federal; eles estão rotulados como "informação de acesso restrito - divulgação proibida".

Os papéis detalham como ele foi tratado pelos guardas e funcionários do governo: acorrentado e preso ao chão da unidade médica enquanto gemia e vomitava; depois, trancafiado em uma cela disciplinar por mais de 13 horas, a despeito de repetidas anotações de que ele continuava desacordado e espumava pela boca.

Bah viveu em Nova York por uma década, cercado por um largo círculo de amigos e parentes. Os extravagantes vestidos que ele costurava para sustentar sua mulher e filhos no oeste da África estavam em exposição em uma loja de Manhattan.

Mas ele morreu em um sistema isolado no qual questões sobre o que aconteceu a ele ou até mesmo sobre seu paradeiros eram recebidas com o silêncio.

À medida que o país debate uma imposição mais rigorosa das leis de imigração, milhares de pessoas que não são cidadãos dos EUA estão sendo trancafiadas por dias, meses ou anos enquanto o governo decide se vai ou não deportá-las.

Algumas delas não têm vistos válidos; outras são residentes legais, mas foram condenadas por crimes no passado; outras procuram asilo contra perseguições.

A morte é uma realidade em qualquer cadeia, e a negligência médica quanto aos detentos é uma questão constante. Mas os detidos da imigração e suas famílias, muito mais do que os condenados que cumprem sentenças no sistema penal, estão privados de maneiras de obter respostas quando as coisas saem errado.

Não há um órgão do governo que tenha a obrigação de manter registros sobre as mortes e reportá-las publicamente. Não há uma norma de investigação compulsória desses casos.

E os parentes que tentam investigar o tratamento dos detidos que morreram terminam abandonado a empreitada por medo das autoridades de imigração, falta de acesso a advogados ou em função da distância.

Funcionários do governo federal americano dizem que as mortes passam por um procedimento de investigação interna do serviço de imigração e alfândega, que as reporta ao inspetor geral da agência, o qual deve decidir que casos precisam ser investigados.

Funcionários afirmam que notificam os parentes próximos dos detidos mortos, ou os consulados de seus países, e reportam os óbitos às autoridades médicas locais, que podem conduzir autópsias.

Em janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que requer dos Estados recipientes de certas verbas federais que reportem as mortes de detentos sob sua custódia ao Departamento da Justiça.

Mas o projeto está parado no Senado, e não se aplica às instalações de detenção sob controle federal. Para os parentes de Bah, o mistério que cerca sua morte é difícil de suportar.

Khadidiatou Bah, 38 anos, prima da vítima e naturalizada americana, diz que não conseguiu abrir um processo, em parte porque outros parentes temiam antagonizar as autoridades. "Eles não querem pressionar com esse caso por medo de serem deportados", disse. "Um homem foi morto, e não sabemos o que aconteceu."