Ricardo Teixeira, o fim de uma era - Editorial

Por Carlos Borges

ricardo teixeira

A queda de Ricardo Teixeira, superpoderoso ex-presidente da CBF, homem que há 23 anos comandou com “mão de ferro” os destinos do futebol brasileiro e uma poderosa e intricada rede de interesses comerciais, pode representar, ou não, uma janela de oportunidade para a sonhada moralização do futebol brasileiro.

Poucos personagens públicos, no Brasil, foram, ao mesmo tempo, tão odiados e bajulados quanto Ricardo Teixeira. Herdeiro direto de um dos homens mais poderosos que o esporte mundial já conheceu - o também brasileiro João Havelange, por décadas presidente da antiga CBD (atual CBF) e primeiro não-europeu a ser eleito presidente da FIFA - Teixeira foi mais “expelido” do que propriamente “renunciou”, já que as acusações de corrupção se tornaram um fardo inadministrável para o velho “caudilho”.

Teixeira estreou no comando do futebol brasileiro, “ungido” pelo sogro. Casado com a filha de João Havelange, ele apenas prolongou por mais de duas décadas o reinado absoluto da “família Havelange”, literalmente “dona” do futebol brasileiro há mais de meio século. Administrando o poder no velho estilo “prendo e arrebento”, tanto Havelange quanto Teixeira cultivam o horrendo e anacrônico “estilo arrogância cega”, recheado de casuísmos, vinganças, perseguições, privilégios, onde o poder e as benesses eram distribuídos como numa corte de puxa-sacos e vassalos.

O futebol brasileiro sempre foi uma “galinha dos ovos de ouro”, só que, praticamente, de uma meia dúzia de beneficiados.

Mas, como diz o sábio ditado, “nao há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe” . E, mesmo que existisse, a um mês atrás, uma remota possibilidade para que Ricardo Teixeira ainda pudesse seguir à frente da CBF até a Copa, a enxurrada de denúncias e seu péssimo relacionamento com a presidente Dilma, sacramentaram sua patética “saída de cena”.

Teixeira deixou um da cargos mas cobiçados no mundo do futebol, mais queimado do que tição em resto de figueira. Só mesmo seus “aliados de conveniência” e o grupo que se locupletou por anos em torno dos privilégios por ele “distribuídos”, é que choram a sua ausência.

Coisas positivas aconteceram no futebol brasileiro durante os 23 anos de reinado de Ricardo Teixeira. Mas as coisas negativas , perpetradas pelo “estilo-ditadura” de gerir a maior paixão do Brasil, foram em quantidade bem maior. Para começar, quem vê ele hoje dizer que “organizou o campeonato brasileiro”, não sabe ou esqueceu que foi ele quem lutou até o último suspiro contra a fórmula de “pontos corridos”, a mais técnica e justa para qualquer competição do gênero, mas que não é a mais “interessante” para as redes de TV e seus patrocinadores.

Também, ao longo de seu reinado, RT protagonizou uma série interminável de escândalos financeiros e de favorecimentos, todos “acobertados” por sua eficaz ligação com os poderosos de Brasília, especialmente os que cuidam de arquivar processos e apagar os rastros de ilegalidade e corrupção, que atualmente cobrem o futebol brasileiro de lama.

A saída de RT é um passo importante na busca de uma mais transparente e honesta administração do futebol brasileiro, mas está longe de ser uma solução. Porque a corrupção e o jogo baixo da manipulação que cerca o esporte mais popular do nosso país, estão atavicamente impregnados no DNA de dirigentes que evoluíram do uso “político” das paixões dos torcedores, para uma louca e criminosa máquina de interesses econômicos, que fazem da maioria dos treinadores e dirigentes, empresários de seus atletas e, por consequência, inapelavelmente comprometidos num conflito de interesses sem fim.

Me lembro de uma amigo meu, vascaíno e batalhador pelo futebol digno, que me dizia: “Enquanto o Eurico Miranda - legendário dirigente do clube carioca, famoso por seu estilo sem limites e sem compromissos com nada além de seus próprios interesses - der títulos ao Vasco, a torcida vai achar ele o melhor dirigente do mundo” . Imagino então que o grande “erro” de Ricardo Teixeira foi não conseguir que ganhássemos um título em uma das últimas copas - Alemanha e África do Sul. Se o “hexa” já tivesse chegado, ele provavelmente seguiria incólume em sua sanha por poder e dinheiro, rumo ao sonho maior que seria suceder Josepp Blatter na presidência da FIFA? Pode ser que sim. Mas também pode ser que não.

Internamente, a administração do futebol brasileiro se tornou, nas mãos de RT um negócio tão descaradamente comercial e sem compromisso com um mínimo de aparência de decência. Repito, nem mesmo uma “aparência de decência” estava no espectro das preocupações.

A “costura imoral” que privilegiava meia dúzia de clubes e um quarteto de federações, fez implodir a aliança costurada com favores e “mordomias batatas”, com que mantinha as federações estaduais e os clubes da série A (os únicos que votam para a presidência da CBF), sob a sola de seu sapato.

Sob a egide de RT, o Brasil ganhou duas copas e perdeu três. Nesse particular, não é um mau retrospecto. Além disso, o que o futebol brasileiro realmente “ganhou” foi o “status” de mega exportador de craques. Alguns mal saídos do berço-e-mamadeira. E, salvo elo, até agora, raríssimo exemplo do Santos de Neymar e Ganso, só consegue realinhar em campo, ex-craques em fim de carreira, espertamente guinados à condição de empresários.

Seguimos anos-luz da estrutura e organização do futebol de países como Espanha, Itália, Inglaterra, França e Alemanha. Muito longe...

Que a saída de RT seja definitiva e um exemplo para que tenhamos uma administração de nosso futebol menos corrupta.

Não é impossível.