Saber sofrer e amadurecer

Por Adriana Tanese Nogueira

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Ninguém gosta de sofrer. Entretanto, às vezes é essencial saber viver o pathos, ou seja, receber o golpe, admitir a dor e ficar com ela. “Pathos” vem do grego antigo e significa sentir, ou, melhor, padecer. Para os gregos, mesmo as emoções positivas são “sofridas” porque emoção é algo que não controlamos, nos pega à nossa revelia, nos tira da zona de conforto, de controle e da razão. Sentir por si só é con-sentir, aceitar sentir, aceitar experimentar algo que nos atinge sem pedir licença, “descambalhando” nossa rotina. Mas pior do que sentir é sentir o sofrimento. Por isso muita gente foge. É possível fugir da dor antes mesmo de senti-la. Existe uma espécie de sensor psíquico (a resistência freudiana), um radar que registra sinais mínimos abaixo do limiar da consciência e prontamente reage a eles. Eventos desagradáveis, verdades que não se queriam que existissem, descobertas amargas e outros fenômenos do tipo são captados numa fração de segundo e promovem a fuga imediata do ego, que finge então que “não sente, não sabe, não vê”... A pessoa retrai sua percepção para não encarar a visão emergente, foge do dar-se conta. Evitar a tomada de consciência tem a função fundamental de manter o status quo, porque depois que nos tornamos conscientes de algo não podemos mais fingir. A tomada de consciência é a única forma efetiva para promover um movimento progressivo que não tem retorno. Para esquivar-se do impacto do que dói, o ego deve criar distrações. Estamos cheios de oportunidades para isso: TV, música, amigos, festas, compras, esportes, trabalho... Tudo pode se tornar uma forma de escape de si mesmo. Mas como nem sempre a distração funciona e a angústia se faz mais forte, outra estratégia é posta em ação: deslocar a ansiedade que está logo abaixo do limiar da consciência para outros lugares e situações, menos comprometedoras (estratégia psíquica apontada pela primeira vez por Freud em Interpretação dos Sonhos de 1899). Por exemplo, brigamos, criamos um alvoroço do nada ou exagerado, ou seja, despistamos nossa consciência para evitar perceber o que temos medo de encarar. Simples, não? Basta um pouco de honestidade e prática para perceber a dinâmica. Saber sofrer significa então deixar cair o telão e descortinar o que está por trás dele, atrás das aparências. Sofrer, às vezes, é como tomar um remédio amargo. É desagradável, pode ser intragável, mas uma vez que o aceitamos temos uma chance real de cura. E, então, podemos fazer planos reais para nossa vida. Este é o passo que marca o amadurecimento pessoal. Dói enxergar que o pai que amamos nos prejudicou, sem saber, sem querer, mas fez. Dói se dar conta que a mãe nos traiu, sem saber, sem querer, mas fez. Dói encarar que a promessa implícita foi quebrada porque a vida mudou e levou. Dói identificar a insensibilidade e a inveja onde se acreditava estar pisando em terreno seguro. Dói se dar conta de que as pessoas que amamos ou que consideramos amigas não são exatamente como imaginávamos, ou melhor não o são mesmo. E dói descobrir que as escolhas de vida que fizemos 10, 20 ou o ano passado não significam mais nada para nós hoje, pelo contrário nos desviam do que somos. Saber sofrer é aceitar a desfeita de crenças que não mais se sustentam, meras fantasias infantis. Saber sofrer é lembrar-se de que somos também pequenos e não sabemos muita coisa. É reconhecer que o mundo, a verdade e o todo são maiores do que nós e que algo foi vencido. Algo precisa ficar para trás, a criança que foge do dodói - para o adulto nascer.