Sem clima de solidão, mais pessoas têm optado por morar sozinhas

Por Simone Raguzo

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Simone Raguzo*

Morar sozinho deixou de ser sinônimo de solidão. Muitas pessoas que podem arcar com as despesas de uma casa sozinhas, têm optado por viver assim, buscando privacidade e o sentimento de liberdade.

Entre 1996 e 2011, o número de pessoas que vivem só no mundo todo foi de 153 milhões para 277 milhões, um aumento de 80%, segundo dados do instituto de pesquisas Euromonitor International. No Brasil, a quantidade de lares com um único morador triplicou nas últimas três décadas, chegando a 6,9 milhões.

Em 1950, apenas quatro milhões de americanos viviam sozinhos e ocupavam somente 9% dos domicílios. De acordo com dados do Census 2011, as pessoas que vivem sozinhas nos Estados Unidos passaram para 33 milhões, ou seja, compõem 28% dos domicílios do país, o que significa que eles estão agora empatado com casais sem filhos, mais comum do que a família nuclear, a família de várias gerações e da casa do tipo “roommate”.

O professor universitário Ricardo Niehues Buss, 31 anos, faz parte dessa estatística. Há quatro anos ele deixou a casa dos pais e passou a viver sozinho. O catarinense aponta as vantagens.

“São muitos pontos positivos. Mesmo com mais responsabilidade, a tranquilidade e a independência que se tem ao morar sozinho, compensam”, ressalta.

Buss destaca que ‘nem tudo são flores’, mas que ainda assim vale a pena ter uma casa que ele possa chamar de sua.

“Os gastos são grandes, pois, embora as compras do mês sejam para uma pessoa, não existe essa medida de solteiro no supermercado. Muitas vezes acabo gastando o mesmo do que se fosse pra duas ou três pessoas. Por outro lado, gosto de cozinhar, e costumo fazer meu próprio almoço, ao contrário de muitos solteiros, o que me traz economia”.

A falta de uma companhia acaba sendo inevitável em alguns momentos, mas ele já aprendeu direitinho a lidar com isso. “Sempre vai bater o sentimento de solidão e saudade das pessoas com quem deixamos de conviver, mas é um mal necessário. Precisamos deste espaço para andar com nossas próprias pernas, para crescer”, completa.

Impulso na economia O crescimento do número de pessoas que têm optado por viver sozinhas, não é só um retrato de uma parte da população. Ela reflete diretamente no comportamento e, consequentemente, atinge setores da economia. A maioria dos que moram sós passa mais tempo na rua, frequenta bares, restaurantes e espaços públicos.

Assim, essas pessoas trazem mais vida para as cidades, em uma tendência que só cresce. Esse fenômeno tem diversas razões: o aumento do poder aquisitivo, que leva mais gente a não precisar dividir as contas; e a fragilidade de instituições tradicionais, como o emprego e o casamento, que fazem as pessoas investirem mais em si e buscarem mais tempo e espaço para isso.

Mas são as consequências de cada vez mais gente vivendo na própria companhia é que prometem uma revolução.

“A tendência de morar sozinho muda a forma como entendemos a nós mesmos e nossas relações mais íntimas, mas também molda nossas cidades e economias”, afirma Eric Klinenberg, sociólogo da Universidade de Nova York e autor do recente livro “Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone” (Vida Solo: O Extraordinário Crescimento e o Apelo Surpreendente de se Viver Só).

A publicação é resultado de uma pesquisa de 10 anos em que o sociólogo entrevistou 300 pessoas que viviam sozinhas e analisou dados para traçar os padrões de comportamento de quem mora só. A principal conclusão de Klinenberg é que viver sem mais ninguém, na verdade, estimula a interação social.

Um levantamento feito por Erin Cornwell, professora de sociologia da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, mostrou que, comparados aos casados, os solteiros passam mais tempo com amigos e vizinhos. Outro estudo, desta vez britânico, revelou que eles vão mais a restaurantes: 45% sai para jantar ao menos uma vez por semana, contra 27% dos casados.

Quem mora em apartamentos pequenos também tende a comer mais fora. Hábitos que beneficiam até quem vive acompanhado. “A energia que esses ‘solitários’ trazem para a cidade suporta nossa vida coletiva”.

São as conversas fiadas na parada do metrô, o papo no boteco e tantos outros pequenos encontros do dia a dia que dão mais vida às cidades. Quem mora sozinho e sai à noite para ver gente na rua, ou fica com preguiça de cozinhar e acaba se tornando frequentador assíduo do restaurante do bairro, contribui para esse movimento contínuo que faz das metrópoles lugares mais humanos e agradáveis de se viver.

Mundo conectado

A expansão da internet e das redes sociais permite aos solteiros estar conectado aos amigos e familiares mesmo quando se está — a sós — jogado no sofá de casa.

Quem mora sem mais ninguém acaba criando uma rede maior de relações, pessoais e profissionais, para amenizar a sensação de alienação que se poderia sentir em casa. A tecnologia tem importante papel nisso.

“A febre dos SMS e dos mensageiros automáticos, como o BBM ou o Whatsapp, são prova dessa busca das pessoas de se isolarem, mas sem, de fato, deixar de estarem ligadas”, afirma Susan Cain, autora do livro “O Poder dos Quietos”.

Além de tudo, ficar grudado no smartphone pode fazer as pessoas estarem mais nas ruas.

Uma pesquisa do Instituto Pew, com cerca de 2,5 mil americanos, mostrou que os que estão sempre conectados, além de ter uma rede de relacionamento mais diversificada, são mais propensos a frequentar parques, cafés e restaurantes.

Tudo isso comprova que, morar sozinho não significa estar só. Como as pessoas divorciadas ou separadas costumam dizer, não há nada mais solitário do que viver com a pessoa errada...

* com colaboração.