Sonhos de vidas passadas durante a gravidez - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

gravidez

Nadia está grávida de quase dois meses e tem o seguinte sonho: está numa relação de amor com um jovem. O amor é muito grande. Ela se vê na cama com ele, após um encontro amoroso. Ele se levanta, abotoa uma camisa de modelo antigo. Ela se sente orgulhosa e feliz, privilegiada por ter sido escolhida. O admira enquanto revira com os dedos seu colar de pérolas no pescoço. Ele é um príncipe russo, não é qualquer pessoa. Ela o acha o máximo. Quando ele sai, ela sabe que não o verá mais porque ele será assassinado. Ao acordar, Nadia procura na internet por príncipes russos e encontra o seu. É ele, é a mesma pessoa do sonho, somente um pouco mais novo. De fato, ele foi assassinado.

Enquanto em sua vida real Nadia trabalha incansavelmente, uma parte dela processa a gravidez, a qual chegou repentinamente. Foi decidir engravidar e quinze dias depois estava grávida. Nadia se pergunta quem está dentro dela. Faz o primeiro ultrassom e fica encantada. Ela sabe/sente que aí está outra pessoa. Quem ela é?

Esta pessoa é o jovem que ela já conheceu e amou. O jovem que apareceu para ela pelo sonho. Simplesmente. Ele está nas proximidades dela (e não necessariamente já dentro daquele embrião*), sua energia se manifestou para sua futura mãe enquanto a consciência dormia e a psique se abria para o desconhecido. Que beleza, reencontrar alguém que já se amou tanto.

De que outra maneira o sonho poderia ser interpretado? Temos duas correntes em psicologia que lidam com os sonhos: a freudiana e a junguiana (que inclui suas falanges pós-junguianas).

Do ponto de vista freudiano, a sonhadora estaria realizando a ambicionada união incestuosa com o pai (Complexo de Electra), que aparece aqui nas feições de um belo jovem. Freud diria que isso é porque ela é jovem e visualiza um parceiro jovem. O inconsciente estaria deslocando a imagem atual do pai para essa do jovem. Essa interpretação não explica por que o jovem é um príncipe (o certo seria que ele fosse rei, já que pai é rei em sua casa, não príncipe), nem por que é russo, nem a razão da roupa de início do século passado. Não daria conta da sonhadora brincando com seu colar de pérolas enquanto observa o amado. Muito menos essa interpretação explica o por que o sonho diz que o jovem será assassinado. Se Nadia fosse um homem, o assassínio do pai estaria previsto, pois o jovem há de tomar o lugar do velho. No caso de Nadia, para esse sistema continuar efetivo, a mãe do jovem haveria de ser assassinada, não o próprio.

O que diria Jung desse sonho? Bom, ele retrata claramente as núpcias interiores da sonhadora com seu animus. Este evento interior há de corresponder a alguma realidade psicológica consciente e/ou exterior. De fato, a sonhadora está na realidade assumindo mais as rédeas de seu trabalho e se posicionando diante de uma chefe irritante e indelicada. Este é um sinal de valorização de si mesma e de maior autonomia interior diante das exigências (nem sempre fundamentadas) do mundo exterior. E o que mais? Por que é um príncipe? Isso é fácil, representa um arquetipo: é o princípio, o que dá o início, a linhagem de um pensamento novo, de uma nova visão de si e da vida. Faz sentido. Mas, por que é russo? Por que a sonhadora reconhece roupas antigas? E por que haveria ele de ser assassinado? Algo na vida real que remeta a uma situação de perda violenta?

A interpretação popular embaçada e emocional poderia acrescentar que talvez o bebê que ela espera vá sofrer algo que leve a um aborto, daí o “assassinato”. Mas é vago, não? Esta é uma visão baseada numa mentalidade apocalíptica de quem se sente à mercê dos infortúnios... Se quisermos compreender um sonho, precisamos usar a racionalidade reflexiva em confronto com a realidade pessoal da sonhadora.

Conceitos limitantes impedem de abranger a realidade de forma completa e sensata. Perdemos simplicidade porque não queremos admitir hipóteses que fogem ao nosso sistema de pensamento. A psicologia junguiana é fantástica sob muitos aspectos, um deles, o mais importante, foi contribuir para sair do literalismo freudiano e a introdução do símbolo. Através do símbolo tudo fala, tudo nos comunica algo. É pelo símbolo que nossa consciência abrange o além. Porém, nem tudo é símbolo. Permanecer somente no mundo simbólico restringe a visão. Duvido que Jung não tenha considerado seriamente a possibilidade da reincarnação. Mas falar disso, naquela época, era perder todo crédito. Sua psicologia já era estranha demais para a mentalidade positivista do tempo.

Para mim, o sonho de Nadia, como muitos outros que encontro, aponta para concretas e específicas experiências de vida que a pessoa não teve nessa vida, mas que, entretanto, estão de alguma forma com ela ainda hoje. Se quisermos compreender o sonho de Nadia, precisamos abrir a mente. A menos que desconsideremos o sonho como algo sem muito sentido, precisamos dar conta de sua totalidade. A psique não produz imagens sem sentido. Tudo é significativo. Pode referir-se a algo corriqueiro na vida da pessoa ou trazer uma mensagem mais profunda; em ambos os casos, cada parte de um sonho é significativo, mesmo quando é para apontar algo superficial a passageiro.

A partir do ponto de vista da sabedoria psíquica, o sonho de Nadia se apresenta como uma memória. Se trata da lembrança de um amor. Como Nadia está muito bem casada, ela não está buscando nenhum amor nessa vida, logo o sonho não é a manifestação de uma fantasia reprimida. Por ser um amor do passado (histórico) e por Nadia estar grávida, minha conclusão é que a memória que aparece no sonho representa a última vez que Nadia encontrou a pessoa que ela está agora gestando.

Mais um detalhe importante. Por que essa alma e não outra? Ao ler a biografia do jovem príncipe russo, Nadia percebe que ele “tem tudo a ver com ela”. Ambos têm fortes tendências artísticas. O jovem morreu cedo naquela vida e não pôde expressar em plenitude seus dotes, apesar de estar já muito bem encaminhado e publicamente reconhecido. Nadia tem utilizado a terapia para legitimar sua dimensão artística, para assumi-la de forma autônoma, se distanciando da mentalidade na qual havia crescido, que séria é a engenharia, não artes. Interessante que duas almas artísticas assumidas se (re)encontrem, não? Teria uma alma artística recalcada atraído outra que resplandece? Não creio.

Atraímos os filhos que correspondem ao nível de consciência no qual estamos no momento da concepção. Por isso, cada filho é diferente e por isso cada filho tem de alguma forma uma mãe diferente. O melhor de tudo é reencontrar-se com os entes queridos para uma nova jornada de mútua ajuda e crescimento.

* De acordo com as pesquisas da Dra. Helen Wambach, que conduziu uma investigação científica rigorosa com 1088 pessoas (na época para provar que a crença na reincarnação era uma bobagem), a alma se une ao corpo da metade da gestação em diante. Ver Carol Bowman, Children’s Past Lives. How Past Life Memories Affect Your Child. New York: Bantam Books, 1.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com