“The story being told” - O direito autoral e a personagem

Por Direitos & Deveres

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O Direito Anglo-Saxão tem construído uma jurisprudência firme no sentido de que os personagens fictícios também podem ser protegidos sob o manto do Direito Autoral, a favor de seu criador, com base na teoria da “história que está sendo contada” ou “the story being told”.

O surgimento dessa teoria tem como um dos principais leading cases o processo que envolveu a Warner Bros Pictures Inc. v. Columbia Broadcasting System, especificamente quando da disputa sobre a titularidade do personagem de Sam Spade na novela obra audiovisual The Maltese Falcon.

À época, seu autor, o americano Dashiell Hammett, havia escrito a obra e, ato contínuo, procedeu à autorização da adaptação a Warner Bros Pictures para uma versão cinematográfica. A Corte resolveu a disputa a favor do escritor e argumentou que existem dois tipos de personagens fictícios: aqueles em relação aos quais não há história e aqueles que são apenas uma peça dentro da história.

Nesse sentido, esses primeiros personagens são os veículos para desenvolver a “história que está sendo contada”, para quem há proteção independentemente dos segundos, que carecem de identidade especial por não se encontrarem na mesma situação.

No caso do processo mencionado, Sam Spade pertence ao primeiro grupo e, portanto, a autorização necessária para utilizá-lo numa película é uma só, ou seja, uma autorização para usá-lo em uma película determinada e não uma cessão de direitos de autor sobre uma figura e essência.

Dentre tantos outros exemplos, é relativamente simples identificarmos outros personagens que centralizam a história em tal nível que sua utilização em outro contexto não é possível, como o próprio personagem denominado James Bond.

Em que pese referida teoria ser oriunda do Direito Anglo-Saxão, é razoável fazer uma transposição para o Direito brasileiro (Direito do autor, propriamente dito) e identificar tantos outros personagens que, deslocados de sua história e contexto originais, ficam comprometidos em sua essência e produziriam um vácuo.

A Teoria “the story being told” desenvolve uma abordagem em que o foco do personagem é mantido sobre toda a obra literária.

Há vertentes contrárias a essa teoria, sob o principal argumento de que se estaria produzindo uma proteção em excesso. Ademais, não seria simples atribuir uma proteção de direito autoral a uma personagem, de forma independente e individualizada e, ainda, que a proteção de direitos autorais expansiva para personagens prejudicaria muito mais a criação.

As personagens literárias são protegidas pelos Direitos Autorais, quando inseridos na obra original em que aparecem, mas a lei é menos clara, quando uma personagem é separado da obra original e gana uma projeção independente.

Um ponto e reflexão importante é a seguinte análise: a concessão de proteção independente a um persongem ficcional comprometeria a finalidade da Lei de Direitos Autorais, uma vez que limitaria a criatividade e a disseminação de novas obras para o público? Será que a oferta de proteção independente a personagens fictícios limitaria o pool de matéria-prima criativa?