Tipos Psicológicos: Diferentes abordagens ao real - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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Por que as pessoas reagem e interpretam os mesmos eventos de formas tão diferentes? Em 1913, Carl Gustav Jung (1875-1961) colocou esta pergunta a si mesmo.

Naquele ano, ele havia publicado seu “Símbolos da Transformação” provocando a reação áspera de Freud e conflitos na associação psicoanalítica daquele tempo. A partir daquele momento, sua condição de “principe herdeiro” de Freud foi posta em cheque e depois banida. Apesar das previsíveis consequências, Jung não podia negar suas descobertas que giravam entorno do conceito de “libido”. Para Jung, libido é muito mais do que impulso sexual e, segundo ele, o próprio Eros não se resume a uma energia física sexual.

Por que então o mesmo fenômeno é interpretado de formas tão diferentes, como o dele e o de Freud? A pergunta rodopiou em sua mente por muitos anos.

Como resultado desta busca, em 1921, ele publicou “Tipos Psicológicos”. Seus estudos não se limitaram a seus contemporâneos mas, como é costumeiro de Jung, ele estudou o mesmo fenômeno entre filósofos e teólogos ao longo da história ocidental. Suas conclusões o levaram à elaboração do conceito dos tipos psicológicos.

Estes são: Pensamento, Sentimento, Sensação e Intuição. São quatro modos de abordar a realidade, todos eles igualmente válidos. O objetivo principal das funções é - como para tudo o que é vivo - uma adaptação bem sucedida à realidade. As funções psicológicas se unem umas às outras em diferentes combinações e proporções para formar a personalidade inteira na qual cada uma tem seu lugar (ou haveria de ter).

Pensamento e Sentimento são funções racionais. Sensação e Intuição, irracionais. Racional quer dizer aqui que a função trabalha seguindo uma lógica e objetiva um determinado fim. Irracional é o que simplesmente acontece, que não pode ser controlado.

A Sensação é uma função de percepção. É um relacionar-se com o mundo a partir dos cinco sentidos. Graças a ela sabemos do ambiente a nossa volta, entramos em contato com os eventos (não os interpretamos, só os vivemos no plano físico). Pessoas da função Sensação apreciam o conforto o dinheiro e o mundo material. A Sensação não necessita de nenhum raciocínio para acontecer, ao contrário, uma pessoa precisa suspender o pensamento se quiser apreciar um pôr do sol, uma praia ou uma relação sexual. Ao extremo, a função Sensação leva ao materialismo que pervade a sociedade atual. Tudo o que vale é o que se toca e o que rende dinheiro.

Uma vez que a Sensação percebeu o objeto ou evento, vem a função Pensamento para julgá-lo de acordo com conceitos racionais. Racional significa que se tem um raciocínio que segue uma lógica de causa e efeito. A lógica da função Pensamento está baseada nos conceitos de “certo” e “errado” os quais por sua vez se fundamentam em alguma cultura, filosofia, religião e, portanto, variam conforme a mentalidade. A função Pensamento julga e “não quer saber”: se para ela uma coisa está errada, está e pronto, dependendo do nível de consciência da pessoa pode não há flexibilidade nem diálogo, mas intransigência e dogmatismo.

O Sentimento também avalia, não por meio de idéias ou conceitos, do “certo” e do “errado”, mas usando valores afetivos, isto é o “bom” e o “ruim”. É a lógica do coração que está em jogo. Sua racionalidade consiste no fato que a o Sentimento julga o sinal positivo ou negativo de uma relação ou situação e age em função disso. Também o Sentimento julga e “não quer saber” tendendo a proteger situações e pessoas mesmo quando são erradas do ponto de vista do que é justo, correto, certo.

Após perceber o objeto, defini-lo em sua razão de ser e lhe dar um valor sentimental, intervém a quarta função. A Intuição prevê os possíveis desenvolvimentos que a situação ou relação pode ter. Ela capta o processo interno das coisas e para onde está direcionado. É irracional porque não acontece sob pedido e não depende de uma lógica causa-efeito para fazer sentido. Uma intuição simplesmente vem e parece óbvia. Agora, menos consciência tiver a pessoa, mais suas intuições vão estar mescladas a desejos e fantasias, portanto, é importante depurar a intuição antes de tomá-la como verdade.

As quatro funções psicológicas podem ser extrovertidas ou introvertidas, o que significa que a libido individual (que para Jung é a própria energia vital que se expressa de diferentes formas, sendo a sexual uma delas), está preocupada e vinculada sobretudo ao mundo externo ou àquele interno. No primeiro caso, a vida da pessoa, seus pensamentos, intuições, sensações e sentimentos são orientados pelo que está fora dela; no segundo, a bússola da pessoa é interior, ela primeiro tem que avaliar o que ela mesma sente, pensa, intui e etc. da coisa antes de se engajar.

As quatro funções criam quatro tipos psicológicos dependendo de qual função é a proeminente. As funções geralmente funcionam em duplas, uma racional com uma irracional, visto que duas do mesmo tipo conflitam uma com a outra. Pensamento e Sentimento são opostos: ou você usa o lógica da mente ou a do coração - nunca as duas juntas ao mesmo tempo. Sensação e Intuição se autoexcluem: se você presta atenção principalmente à aparência física de seu parceiro, suas formas e tamanhos, não vai poder enxergar sua beleza (ou feiura) interior.

Infelizmente, o desenvolvimento psicológico das quatro funções é influenciado pela cultura na qual vivemos. A civilização ocidental está focada no Pensamento e na Sensação, na lógica mental e no dinheiro, em leis e em comida, na ordem e no conforto. Por este motivo, estas serão as funções mais estimuladas numa criança e, portanto, as outras duas vão ser de alguma forma renegadas, dependendo da radicalidade dos pais. A Intuição, por exemplo, é altamente temida em vários lares. Por outro lado, ela dá lugar a ambiguidades e superficialidades sem fim. O Sentimento leva à novelas bregas e à ingenuidade. Muitas vezes um estimado e reconhecido juiz é infantil e imaturo no que diz respeito seus sentimentos. Ou uma habilidosa anfitriã demonstra sua burrice quando emite suas opiniões vazias. E assim vai.

A função menos desenvolvida é chamada de “primitiva” ou “infantil”. O mundo ocidental é primitivo e infantil em sua forma de lidar com sentimentos e intuições, mas desenvolvido em suas funções Pensamento e Sensação. Basta pensar na Ética. Temos excelentes Éticas, uma das melhores foi escritas mais de 250 anos atrás, em Konigsberg, Alemanha, por Emmanuel Kant. Outra extraordinária foi pregada 2010 anos atrás, por você sabe quem? E daí? Ideias podem ser claras como o sol ao meio-dia, mas comportamentos e fatos estão ainda atolados em lamacentas crateras que podem explodir a qualquer hora. Por outro lado, a Intuição ocidental exprime sua infantilidade nas centenas de gurus religiosos (ou não) com suas A Nova Verdade Para Você Mudar Sua Vida Em Somente 30 Minutos Ao Dia.

O melhor modo para resolver o dilema é: desenvolva sua personalidade como um todo. Seja Uno, não um pedaço de si mesmo. Evite a perfeição, busque a integridade que é a integração de todas e de cada parte de você. E, last but not least: evite receitas multimilionárias bobas e promessas de paraísos na terra ou no céu.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com