Transformação e Aniquilação

Por Adriana Tanese Nogueira

Em algum momento, você desejou intensamente que algo mudasse. Que tenha sido carreira, relacionamentos ou você mesmo, alguma deficiência sua, hábito viciante, repetido inúmeras vezes. Talvez você tenha começado a pintar borboletas e grudar decalques de borboletas em seu quarto, ou a ter fotos de borboletas na tela de seu celular ou computador. Afinal, o nascimento da borboleta é a metáfora por excelência da transformação. O mais bonito dos insetos parece contar a história perfeita para nos inspirar em nosso processo de transformação. Pois bem, vejamos mais de perto esse milagre da natureza. Como é possível que uma criatura que se arrasta por galhos e folhas, coisa alongada molenga de muitas patinhas, se transforme em um ser alado, colorido, elegante e, realmente, ornamental? Porque essa criatura em sua dócil obediência à implacável dinâmica da Natureza, aceita sua total aniquilação. Para ser borboleta, da lagarta não deve sobrar nada. Isso se chama metamorfose. Mutação da forma. No plano humano, a mutação da forma não tem como ocorrer. Continuaremos com duas pernas, dois braços, dois olhos e uma boca. Na dimensão humana, o que muda não é mais a forma física, mas a forma mental. Com forma mental quero dizer a forma de pensar, de entender a si próprios e à vida, de interpretar fatos, emoções e nosso passado. A metamorfose da borboleta na vida humana corresponde à radical mutação daquilo que consideramos ser o nosso Eu. Não tenha medo, geralmente, aliás, sempre é para melhor. Não mais criatura pegajosa que se arrasta no chão, mas ser alado que mais se parece com um pequeno anjo... Agora, você está pronto para a aniquilação? Por mais que eu te fale que ser borboleta é melhor do que ser lagarto, imagine (você sabe!) aquele pobre coiso lá dentro do casulo sem a menor ideia do que virá, sem noção de futuro. Imagine a sua ansiedade. Ele lá, trancafiado naquele mundo apertado, apavorado com o desconhecido amanhã. Imagine a vida do coitado, preso entre passado e futuro, sem conseguir ir para frente ou escapar. É o caso de uma boa crise de pânico e da síndrome da ansiedade generalizada. É possível que o lagartozinho tome um rivotril ou um prozac, e consiga dar uma aparência melhor ao casulo sufocante. Quem sabe com uma decoraçãozinha tudo não ficará melhor? Pois é, para alcançar as alturas da borboleta é preciso morrer. O velho eu tem que morrer. Infelizmente, estamos apegados a ele. Pode ser feio e desestruturado, mas a gente está acostumada. É barato, inclusive. Não demanda esforço, investimento de dinheiro em terapia ou dores de cabeça. E de brinde, você não precisa entrar em conflito com ninguém. A natureza dinâmica e implacável que dê um tempo! Aqui mando eu. Lagarto eu gosto de ser! De borboletas encho minha parede, colorindo meu quarto... E se num impulso de ousadia você se atrever a responder ao chamado e aceitar docilmente a morte, rezando e suando frio, você estará disposto a lutar pela sua vida? Porque ser dócil não é suficiente. Você deve ser dócil diante de sua morte ao mesmo tempo em que deve saber lutar de unhas e dentes pela sua vida. A borboletinha não sai do casulo se não à custa de dura luta. Ela mesma é quem vai despedaçar o casulo-prisão. Não tem papai do céu para te socorrer, namorado, esposa ou mãe. É só você e seu desejo absurdamente implacável pela vida e, sobretudo pela vida autêntica. É isso que Sabina Spielrein, uma das primeiras psicanalistas da história, quis dizer quando escreveu, "Nenhuma transformação pode acontecer sem o aniquilamento do estado anterior." Pois é, o ser inautêntico há de morrer.