Tropa de Elite

Por Gazeta Admininstrator

Desde “Central do Brasil” e “Cidade de Deus” não se via algo a ssim no cinema brasileiro. Um filme que, independente de qualquer jogada de marketing, superestrelas globais no elenco ou qualquer outro artifício, emergisse como fenômeno de sucesso e repercussão popular.

“Tropa de Elite”, escrito e dirigido pelo cineasta José Padilha (o mesmo do também polêmico “Ônibus 174”), mesmo antes de ser lançado, em outubro, já provocava muito barulho.

Para quem ainda não viu o filme, a trama (ficção) se passa no Rio de Janeiro, em 1997, descrevendo a história do Capitão Nascimento, integrante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Rio), e que, diante do nascimento de seu primeiro filho, está determinado a sair da unidade e procurar uma vida menos perigosa para sua família.

O filme tem como sub-texto a amizade de infância que une os cadetes Matias e Neto, que são vistos pelo Capitão Nascimento como seus possíveis seus substitutos no batalhão.

O epicentro é a violência urbana, o caos do tráfico nas favelas, a impotência da população, a conivência das autoridades, a banalização do crime e da morte.
Para quem está “acostumado” às estatísticas diárias de violência nos grandes centros urbanos do Brasil (e não apenas do Rio, é importante que se ressalte isso) o filme acaba sendo “surpreendentemente menos violento” do que já foi mostrado em outros documentários e longas de ficção. O próprio “Ônibus 174” do mesmo cineasta, além de ser um filme muito superior artística e historicamente, tem um grau de tensão muito mais forte.

Mas nada disso anula o incrível impacto que “Tropa de Elite” está causando na audiência brasileira, e muito além do Brasil. Uma simples cópia do filme original, antes mesmo de ser lançado no Brasil, se transformou numa mega-distribuição de DVDs “pirata” por todo o mundo. E já não há um único lugar do planeta onde vivam brasileiros ou não-brasileiros que curtem nosso cinema, onde, pelo menos, um DVD “pirata” de “Tropa de Elite” não tenha chegado. É o primeiro fenômeno digital-pirata do cinema nacional em escala mundial. Geração You Tube.

Volto ao filme, que vi, gostei e recomendo a todos.
Mas, também sugiro cautela. Trata-se de uma obra de ficção que, na minha opinião, ainda é muito, mas muito menos “real” do que a imunda relação da Polícia corrupta com os lordes do crime e da droga. O lado humano do filme, focado nas relações familiares e de amizade, dão ao mesmo uma nuance que aproxima muito o espectador comum, especialmente aquele que mora fora do Brasil e já não convive com a atmosfera de violência e insegurança tão bem reveladas em “Tropa de Elite”.

Se tivéssemos, hoje, no Brasil, lideranças que, acima de suas ambições e projetos pessoais, enxergassem um mínimo do interesse público, tivessem amor ao país e ao nosso povo, “Tropa de Elite” seria uma quase-plataforma para uma cruzada pela moralidade, pela lei e pela segurança do cidadão.

A idéia que o filme sedimenta, infelizmente, é a de que, hoje, mais do que nunca, as garras do crime, a sedução da corrupção e as mensagens-truncadas da mídia voraz por sensação, há muito mais firmeza, liderança e disciplina do lado dos criminosos do que do lado da Lei. A Lei sem propina que parece estar desaparecendo no ralo da impunidade e da indecência moral e social do Brasil.

É preciso também lembrar que “Tropa de Elite” deverá ser visto por um ângulo completamente diferente pelas platéias – e mídia – internacionais. É um filme que, infelizmente, se presta como uma luva à continuidade do entendimento de que, no Brasil, a guerra civil urbana é um fato, apesar de jamais admitido pelas autoridades.

Sabemos que essa é uma meia-verdade. Holly-
wood vende New York, Los Angeles, Chicago e Miami como cidades do crime, onde o perigo reside em cada esquina ( e nós, que aqui vivemos, sabemos que essa é uma enorme mentira), o cinema brasileiro de sucesso recente tem – com toda a legitimidade – se valido da tragédia urbana do eixo Rio-São Paulo para mostrar ao mundo um Brasil sujo, feio, analfabeto, violento e irremediavelmente corrupto. Esse é um lado ruim, mas que temos que reconhecer, existe e faz parte do jogo democrático, aceitar esse fato e lutar para transformá-lo.

“Tropa de Elite” é um soco no estômago.Mas é, ao mesmo tempo um novo elemento de reflexão. Não o filme em si, que é narrado como um “thriller” no melhor estilo holliwoodiano pós-MTV. Mas a circunstância real do ambiente que lhe permite existir.
Até quando o Brasil, nosso grande, amado e tão enxovalhado Brasil, esperará por lideranças corajosas, éticas e comprometidas com um genuíno resgate da segurança e decência nacional?
Será que teremos essa chance ainda nos próximos 10, 20, 50 anos?

De qualquer forma, no frigir dos ovos “Tropa de Elite” presta um serviço imenso ao Brasil e aos brasileiros. Por usar uma linguagem “hollywoodiana” e entendível por todos, coloca na sala de estar de todo o país, todas as classes, todas as gentes, a questão que, ao meu ver, é o âmago do caos moral brasileiro: a corrupção generalizada.