Soube que fez aniversário na semana passada, há dois dias no máximo. Pularam postagens de todos
os lados nas minhas redes. Todas parecidíssimas. Mesma escolha de palavras para definir a mulher
que, para mim, deve merecer um vocabulário mais variado do que o que incansavelmente é
destinado a ela. Por anos e anos. E não a conheço, viu? Mas digo que deve merecer porque acho que
merecemos todos. Somos tantas coisas, não é? Deve ser triste se ver limitada sempre ao mesmo
lugar durante uma vida. Ainda mais se a vida for longa.
Pois que um dia, eu passeava de bicicleta com a Sofi aqui pelo bairro. Por dentro sabia estar errada
e me incomodava com a situação. De verdade. Mas não o suficiente para fazer o que era certo. Sabe
assim? É que estávamos de bicicleta na calçada. Eu tenho um medo danado de pedalar na rua,
mesmo na faixa. E também não tenho capacete, o da Sofi já não cabe mais – e isso é uma desculpa
esfarrapada. Depois era domingo. Não tinha quase ninguém na rua. Mas, vocês sabem, a coisa toda
está no quase.
E aí que dobramos uma esquina e me aparece justamente ela. Estava mesmo elegante, ainda mais
para um domingo. O mesmo cabelo impecável das fotos que vi semana passada nas redes. E ela me
deu um olhar de reprovação tão profundo, mas tão profundo, que quase parei e pedi desculpas. E o
quase é de novo um truque. Parei. Pedi desculpas. Porque ela estava certa. Se a gente estivesse uma
pouquitinho menos atenta a atropelaríamos ali mesmo na calçada. Ossos idosos, por mais que
habitem corpos bem vestidos, também quebram, dão um trabalho danado pra consertar, às vezes
nem consertam. Nem precisam ser ossos idosos. Qualquer ossinho quando vê de longe uma
oportunidade de quebrar, quebra mesmo. Já pensou? Atropelar alguém de bicicleta. Que vergonha.
Voltamos pra casa.
Se fosse eu a escrever o post falaria do cuidado de si, da consciência de seus direitos de cidadã – e
de pedestre –, do não amendrontar-se diante do perigo, da força de ocupar o espaço que merece.
São para mim características que merecem mais comemoração do que a sua capacidade, que é
também mais do que verdadeira, de acertar nas escolhas de moda. Naquele dia ficou bem claro que
ela as tem. Entre muitas outras, aposto. Feliz aniversário. E sim, compramos os capacetes e já não
andamos nas calçadas. Duvido que uma mulher como ela repararia nos nossos cabelos amassados
dentro deles. Boa semana queridos.