Adriana Nogueira: Vaidade, narcisismo e amor próprio

Por Adriana Tanese Nogueira

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“Cuidado com a vaidade”, disse Papa Francisco, “torna a vida uma bollha de sabão.” A vaidade tradicionalmente indica a crença exagerada nas próprias capacidades de atrair os outros. Até o século XIV, não tinha nenhuma relação com o narcisismo, sendo considerada simplesmente uma futilidade. Em âmbito filosófico, a vaidade adquire um senso mais amplo englobando egoísmo e soberbia. Nietzsche escreveu que “a vaidade é o medo de mostrar a própria originalidade”. Em muitas religiões, é considerada uma forma de autoidolatria, na qual o indivíduo rejeita Deus e abraça sua própria imagem. Nos ensinamentos cristãos, a vaidade é um dos sete pecados capitais.

A palavra vem do latim “vanitas”, originário de “vanus”, que quer dizer vazio mas também inútil, fútil, inconsistente, fugaz. Algo que é mais aparência do que substância, também ausência de corporeidade, ou seja impalpável.

Narcisismo e vaidade não se identificam, sendo o primeiro considerado hoje um verdadeiro distúrbio da personalidade. O narcista apresenta pelo menos cinco dos seguintes traços: um senso grandioso da própria importância; fantasias ilimitadas de sucesso, poder, beleza; crença que é “especial e único”; exigência de constante admiração; se acha “no direito” e requer tratamento especial; se aproveita dos outros; não tem empatia; inveja o que os outros têm; mostra-se arrogante e soberbo.

A vaidade é um aspecto psicológico que integra a “normalidade” da vida humana. Mas de qual normalidade se trata? A que todos conhecemos hoje em dia: estamos na era da imagem e sobretudo da autoimagem que não precisa ter necessariamente qualquer vínculo com uma realidade subjacente. O importante é a aparecer. A corrida por postagem de imagens, muitas vezes elaboradas para enaltecer este ou aquele aspecto, é um traço dos nossos tempos.

O que isso esconde? Ou não esconde nada?

O filosofo francês Baudrillard chamava esses tempos de a época dos “simulacros”. Simulacros são imagens vazias que não remetem a qualquer realidade. Não servem para apresentar algo, se justificam por si próprias. Do ponto de vista tecnólogico e artístico pode até ser uma qualidade, mas e do ponto de vista humano?

É interessante colocar-se a pergunta: o que significa esse nosso tempo de selfies? Vamos distinguir algumas ideias: por um lado há claramente uma tendência coletiva a exibir-se. É um mostrar-se para se promover, promover a própria cara basicamente, em termos vaidosos-narcisísticos, seguindo a crença de que quem é visto “existe” e quem é mais visto existe mais ou tem “poder”; popularidade é poder. Não importa quem você realmente é, o que de fato pensa, faz e promove no mundo.

De que maneira isso se relaciona com “amor próprio”? Eis o desafio. Para ter autoestima é preciso sermos independentes do aplauso dos outros, é uma condição necessária. Por outro lado, para existir coletivamente e realizar as próprias coisas é preciso também mergulhar nesse mundo de (auto)imagens. O segredo consiste em não fazer esse mundo imaginário, fantasioso, a própria identidade. Aí é que se cai na “bolha de sabão” da qual falou Papa Francisco: o risco de identificar-se com sua própria imagem (como Narciso) e nela se perder. Como então conviver com o mundo das (auto)imagens sem cair na banalidade e na vaidade, quando se tem algo superior pelo qual se trabalha? O Cristianismo chama isso de Deus. Psicologicamente, o chamamos de valores, centro da personalidade, causa. Assim, na vaidade generalizada hodierna é possível expressar conceitos diferentes na forma como se faz as coisas, como se tira uma foto, como a se legenda e etc.

Temos escolhas. Depende de quem somos, de nossa consistência real, escolher por qual caminho enveredar nesse mundo fantasmagórico e superficial das imagens e então fazer a diferença.