Visita de “cara amarrada” - Opinião

Por Carlos Borges

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Nem Dilma nem Obama esconderam seus sentimentos mais íntimos nas duas oportunidades em que estiveram juntos em Washington, na semana passada.

O festival de “caras amarradas” fez a delícia da mídia internacional, e, enquanto os ingleses faziam troça dos norte-americanos, deplorando em vários editoriais e artigos que “a pouca importância dada por Washington ao novo status do Brasil como sexta potência econômica mundial”, mundo afora o que mais se destacou foram as “prioridades”de Obama.

Seria muita ingenuidade achar que o “novo Brasil” seria uma prioridade do governo Obama justamente na semana em que ficou virtualmente definido que Mitt Romney será mesmo o oponente republicano do atual presidente.

Mesmo ainda com vantagem de 5% das pesquisas (o que é virtualmente nada), Obama tem que reconhecer que de todos os possíveis oponentes republicanos, é exatamente Romney, ex-governador de Massachussetts, quem tem mais chances de arruinar as suas chances de reeleição.

Portanto, o “desembarque” da presidenta do Brasil ocorreu acidentalmente na semana em que o maior oponente de Romney, o ultraconservador Rick Santorum, “atirou a toalha”.

Por trás das expressões tensas e desconfortáveis de Obama e da habitual seriedade de Dilma Rousseff, havia uma agenda de muitos desencontros. Diferentemente dos dois termos presidenciais em que o governo Lula lidou com seis anos de Bush e dois de Obama, as relações entre Brasília e Washington são cordiais, mas estão longe de qualquer afetividade mais inspiradora.

Exatamente porque o Brasil é, de fato, um personagem novo e forte na cena mundial é que Obama e o universo palaciano da Casa Branca estarão cada vez mais longe de admitir esse “status”. Esse é o jeito norte-americano de fazer política: fingir que nada está acontecendo para, no futuro, admitir o erro e correr atrás do prejuízo, muitas vezes, alucinadamente. Até porque Washington odeia mudanças bruscas em sua monumetalmente complexa política externa.

Até bem pouco, o Brasil era um parceiro econômico sólido, relativamente “seguro”, com o qual os Estados Unidos se preocupavam relativamente pouco. Esse foi o quadro desenvolvido desde os anos do governo Jimmy Carter, quando o aparelho de inteligência norte-americano passou a colocar o Brasil numa espécie de “zona de conforto”, somente chacoalhada à época de que Lula, se eleito presidente, iria levar o Brasil por uma rota semelhante à que Chávez promoveu na Venezuela.

Mas assim que Lula deu todos os sinais de inteligência e atrelamento às “regras do jogo”, a relação entre os dois países voltou à normalidade. Só que, ninguém, muito menos Washing ton, contavam que, em tão pouco tempo, o Brasil emergeria com tamanha força no ranking econômico e que houvesse uma clara determinação de Brasília ocupar os espaços que os brasileiros creem ser legítimos ocuparmos.

O assento permanente no Conselho de Segurança na ONU – para o qual o apoio dos Estados Unidos é vital – continua sendo uma “batata quente” que Washington se recusa a segurar por um minuto que seja.

Pelo lado do Brasil, a posição do nosso governo (tanto Lula quanto Dilma) em não se atrelar a decisões norte-americanas em conflitos como os da Síria e Coréia do Norte, deixa os norte-americanos desconfortáveis. O Brasil do “sim automatico” não existe mais e, provavelmente, nunca mais voltará a existir. Isso chateia muita gente em Washington.

Em nada ajuda também o fato que o Brasil foi um dos poucos países que desafiou o “atrelamento a Israel” e reconheceu oficialmente o Estado Palestino, uma medida que, para o governo norte-americano, é quase uma heresia diplomática.

Enfim, seja qual fosse o presidente norte-americano que estivesse lá, conversando e trocando “sorrisos de manchete” com a presidenta do Brasil, ele tem uma série de motivos para pensar no Brasil não como o “cordeiro de antes” e sim como um fator novo, real e ainda não devidamente “decifrado”.

Nada disso, entretanto, é mais importante do que a campanha eleitoral e Obama não está brincando em serviço. A não ser que algo muito escabroso ou bombástico ocorra até novembro, toda e qualquer visita presidencial a Washington vai ser “blasé” e puramente burocrática. Primeiro ganha-se (ou perde-se) a eleição em novembro. Depois disso, quem estiver sentado na cadeira do Oval Office vai ter que lidar com uma realidade nova em relação ao Brasil. Gostem ou não.