Por: Atilano Muradas
As estatísticas de abuso sexual e violência doméstica, nos EUA, são assustadoras. A cada 2 minutos e meio uma pessoa sofre abuso sexual. A cada ano, quase 4 milhões de mulheres são vítimas de violência física. A cada 15 segundos uma mulher é espancada. O triste nessa história é que essas estatísticas são relativas apenas aos casos que são reportados. Os especialistas estimam que 59% dos casos não são denunciados à polícia.
O alerta é da brasileira Karina Lapa, mediadora de famílias, certificada pela Corte Suprema da Flórida e, também, pelo Office of the Attorney General (Procuradoria-Geral da Flórida), como especialista no tratamento de vítimas de traumas, crimes e abusos.A pernambucana formou-se em psicologia no Brasil e fez mestrado nos Estados Unidos, onde mora há 14 anos.
Buscando ampliar sua ajuda à comunidade brasileira, Lapa criou o Grupo de Networking Feminino de Broward, que reúne profissionais de diversas áreas, uma vez por mês. Em entrevista exclusiva ao Gazeta, Karina Lapa, que aos poucos está se tornando figura popular entre os brasileiros, explica um pouco o seu traba-lho, e dá informações interessantes àqueles que foram abusados sexualmente ou fisicamente, ou são vítimas de algum tipo de trauma ou abuso e necessitam de ajuda psicológica e jurídica nos Estados Unidos.
G - Em que consiste o seu trabalho?
K - Eu presto assistência a vítimas de qualquer tipo de traumas físicos, emocional, sexual – estupro, incesto, violência doméstica e no trabalho, e acidentes catastróficos.
Eu trabalho tanto para o Condado de Broward, no Sexual Assault Treatment Center, onde sou diretora de um programa que presta assistência a pais que perderam a custódia de filhos, e por lei adquiriram o direito a terem visita supervisionada ou terapêuticas com os seus filhos, bem como atendendo a vítimas de qualquer tipo de abuso sexual. Eu também tenho a minha própria agência de psicologia, a South Florida Counseling Agency, em Plantation, e em Pompano Beach, onde ofereço terapia individual, de casal ou de família. Atendo de criança a adultos que estão passando por qualquer tipo de problema psicológico, tais como depressão, traumas, transtorno bipolar, alcoolismo, ansiedade, problemas conjugais, problemas com adaptação a cultura, bem como as próprias vítimas de crime, abuso ou trauma. Também forneço mediação familiar, que é um processo bem mais barato e acessível, em casos de divórcio, partilha de bens e custódia de filhos, etc.
G - Esse serviço está disponível para qualquer pessoa?
K - Sim. No Condado de Broward, eu sou a única pessoa dessa área que fala Português, e que trabalha em conjunto com o Departamento de Polícia, o State Attorney’s Office, além de várias agências de serviços comunitários. Também por conta de ser a única Victim Advocate (advogada de vítimas) certificada, que fala Português, tornei-me conhecida por outros profissio-
nais dos Condado. Quando precisam de uma pessoa que fala português, para atender a um brasileiro, eles me chamam para que eu preste assistência. Os serviços a vítimas de abuso sexual é gratuito, quando fornecido pelo Sexual Assault Treatment Center, ou qualquer centro ou agência comunitária. Nos meus consultóros, em Plantation e em Pompano Beach, como atendo a várias questões que não necessariamente são de abuso físico, sexual, etc, tenho uma tabela de preços acessível e flexível especialmente criada para brasileiros.
G - A pessoa que não tem documentos nos EUA tem direito a esse serviço?
K - Nesses casos, o Estado não está preocupado com status migratório. A Flórida tem um fundo de reserva, chamado VOVA (Victims of Crimes’s Act), destinado a custear assistência médica, dentária, terapias e serviços psicológicos a qualquer vítima de crime e/ou abuso. Para se qualificar, no entanto, a vítima precisa reportar o crime sofrido, e com a obtenção do registro policial, pedir ajuda de uma “Victim Advocate” que, na maioria das vezes, já vai ser apontada para trabalhar com a vítima e a família. Isso se aplica a vítima de crimes. E casos de abuso, mais especificamente em violência doméstica, na qual a mulher é casada com um cidadão americano, ou residente, e ainda não é legalizada, através da lei VAWA (Violence Against Women’s Act), essa mulher, criança, ou até alguns homens, têm direito a aplicar para residência. Esta é uma lei que poucas pessoas conhecem. É importante que essa vítima dê o primeiro passo que é buscar ajuda psicológica e assistência jurídica. Uma vez que ela se comunique comigo, marcamos uma consulta, e eu não só cuido da ajuda psicológica, como também a encaminho a uma advogada, ou até mesmo a uma agência comunitária, que presta serviço gratuito. Muitas pessoas indocumentadas não reportam o crime à polícia por medo de serem deportadas, de sofrerem represália, de perderem os seus filhos, etc. Isso é mito e ameaça do abusador. É preciso que as mulheres busquem ajuda psicológica e apoio legal.
G - Você teve pacientes que já conseguiram esse benefício de se legalizarem após serem abusados sexualmente?
K - Sim. Eu já ajudei várias clientes que foram legalizadas através do lei VOWA. O mais importante é buscar ajuda psicológica no princípio, até para que a vítima consiga entender as dinâmicas do abuso que sofre, e daí sentir-se forte e capaz de lutar pelos seus direitos. Evidentemente, que todo o caso é único, e precisa ser analisado por um advogado, pois essa lei possui uma série de condições a serem preenchidas pela vítima. O serviço legal e jurídico pode ser gratuito para as pessoas que provem que não têm condições de pagar um advogado. Eu conheço duas advogadas brasileiras que prestam esse tipo de assistência e estão dispostas a ajudar brasileiros.
G - O índice de ocorrência de casos de abuso sexual e violência doméstica a brasileiras é alto?
K - Tanto os números de violência doméstica quanto os de abuso sexual são muito altos, considerando que somente temos acesso aos casos que foram reportados. Acredita-se que os números são muito maiores. O problema existe por conta do brasileiro ter medo de reportar, porque é ilegal no País, e acha que, reportando o crime, será vitima de deportação. Isso não é verdade. No ano passado, eu traba-lhei num caso de uma família onde um brasileiro que praticou abuso sexual pegou a pena máxima de prisão depois de três anos de briga no tribunal. Essa mãe era ilegal. Hoje, ela não é mais vítima, nem aos filhos, e conseguiu a sua Residência.
G - O que é o Grupo de Networking Feminino de Broward e por que você criou esse grupo?
K - O grupo reúne profissionais brasileiras, treinadas e qualificadas que falam Português, que moram e trabalham em Broward County, e têm como objetivo ajudar a comunidade brasileira nesses casos que citei anteriormente e também em outros. O nosso grupo se reúne nos terceiros sábados de cada mês, para um café da manhã. A nossa última reunião ocorreu no sábado, 25 de agosto, em um café da manhã no Toojays Gourmet & Deli, em Plantation. O encontro foi um sucesso, e contou com a participação de muitas mu-lheres. Como sabemos, os brasileiros são muito mal informados, principalmente na área de saúde mental. O norte-americano está melhor informado porque aqui é o país dele. Ele fala a língua, tem seguro de vida, tem plano de saúde, então, está bem informado. O brasileiro sofre calado. Por causa disso, muitas vezes, vai para a bebida, drogas, espancamento, violência contra a mulher e os filhos, etc. O que ele precisa é de um apoio profissional. No grupo nós fornecemos palestras sobre diversos temas: adaptação à cultura, como resolver proble-mas em casa, violência sexual e doméstica, como lidar com problemas conjugais e com os filhos, bem como, palestras específicas para os profissionais da área de saúde física e mental, advogados, pedagogos, professores, assistentes sociais, etc, que quiserem se especializar e entender como trabalhar com a cultura brasileira. Também aceitamos convites para ir a igrejas, centros comunitários, escolas, empresas. Quem estiver interessado em participar ou saber mais sobre o grupo, ou mesmo estiver precisando de ajuda psicológica, pode telefonar para o meu consultório (954) 465-7045, ou mandar um e-mail para [email protected]. Meu site é www.southfloridacounseling.net.

