A vontade de Deus (em você)

Por Adriana Tanese Nogueira

ATN_HUMANIZE

Maria é professora de inglês a 20 anos. Empenhada, ela adora ensinar, sabe escutar e engaja seus estudantes para que se sintam acolhidos. Maria voltou das férias e começou a preparar suas aulas, quando se percebeu exausta do que estava fazendo. Deu um sentimento de desânimo e de falta de interesse.

No passado, Maria se atualizava com dedicação, a uns anos começou a preferir cursos relacionados a desenvolvimento humano, seu foco foi passando da satisfação pelo progresso dos alunos no inglês para a satisfação pelo progresso dos alunos. Maria gosta de ajudar pessoas a se sentirem melhor consigo mesmas. Após dar-se conta de sua exaustão profissional (e um floral de Bach ajudou na tomada de consciência), Maria sonha que está fazendo um curso sobre borboletas e, no mesmo ambiente, vê um colega, do qual sabe pouco, fora que é calvo.

Através do sonho o inconsciente aponta para Maria que ela precisa aprender a se trasformar. A mudança de vida vem depois da mutação. Maria está sem mais ideias (cabelos) para seu trabalho. Poderia haver muitas, ela certamente não esgotou todo o potencial de uma professora de inglês. Mas ela esgotou o SEU caminho de professora de inglês. Chegou a hora dela passar a uma nova fase existencial que será tão diferente da outra quanto o lagarto é diferente da borboleta que dele surge.

Na noite seguinte, Maria sonha que dorme num quarto cuja parede é de vidro e dá para o mar. Uma forte onde chega e bate no vidro, mas não o quebra. Com ela está um tio, que é deficiente mental. Pessoa boa, agradável de se estar, ele é um personagem positivo em sua vida, alguém que vive sua condição sem revolta. Em suma, ele está harmoniosamente conformato. Ele representa o conformismo de Maria, cuja vida não é triste ou conflituosa, simplesmente limitada. Maria se acostumou a viver dentro da redoma e eis o que o tio representa no sonho: o conformismo tranquilo. A consciência (Maria) e o limite (tio) precisam do mergulho renovado no útero inconsciente criador e fecundo. Ela o teme, daí o vidro entre si e a onda, mas está na hora de se molhar.

E algo de fato acontece em Maria porque na noite seguinte, ela sonha com seu novo aluno (sua nova tarefa): um adolescente disléxico e autista. Descobrimos que por trás do tranquilo conformismo há outra coisa, há o adolescente que ficou travado. O outro lado da moeda, que ficou na adolescência, corresponde aos conteúdos interiores turbulentos, intensos, complexos que não foram integrados e processados.

A aceitação do limite existe porque há uma dislexia devida ao amontoado de conteúdos que se atropelam entre si resultado em afonia e finalmente em autismo, que é extrema introversão e recuo do mundo. Faltou a parturição de si no mundo, o feto (o potencial da condição adulta de ser realizado) permaneceu em gestação até hoje. É com esse garoto que Maria precisa lidar. Sua voz (rebelde, nova, desafiadora, intensa – como a de todo adolescente sadio) ficou travada. Maria se pergunta: como fazer com ele?

Ela de alguma forma, ela fará porque este é o seu caminho. O Eu não precisa ficar apavorado, ma deve seguir obediente o chamado interior e os recursos virão. Nisso, ela estará realizando a transição de lagarta para borboleta. Este pequeno retrato é um exemplo do que em psicologia pós-junguiana chamamos de “a vontade de Deus”. O Deus que fala dentro da gente não tem dogmas nem instituições, mas sua fala é clara para quem quer ouvi-lo. Seu chamado está diretamente ligado ao nosso processo evolutivo, nele se enraiza e de mãos dadas evoluímos.