Conversando com uma amiga ontem, lembrei-me de uma lição de casa que minha filha mais velha fez na noite anterior. A lição, a princípio divertida, pedia que as crianças citassem coisas ou situações que lhes causassem nojo, aflição, constrangimento, raiva ou medo. O bate-papo que me trouxe a lembrança, se dava em torno dos filhos, do trabalho, dos amores. Não era uma lamúria, muito pelo contrário. Assim como não se tratava de um desfile de bem-aventuranças. Era só vida compartilhada e, como a vida, continha delícias e dissabores, erros e acertos, expectativas e medos.
Fiquei enternecida com a conversa franca e generosa, e compartilhei com as crianças meu contentamento. É tão bonito ouvir alguém falar de si sem edição. Elas não pareceram impressionadas, tampouco interessadas. Claro que não. Listam os desconfortos com a mesma naturalidade que fazem as contas de matemática. Discutem com os professores e com os amigos seus terrores. Estão certas de que os temos todos. Não um nem dois, a lição pedia no mínimo 50.
Pensar sobre nossos medos é estar frente a frente com a possibilidade de falhar (morrer, quebrar, sair do tom, não conseguir o que se quer). Parece-me que nos acostumamos a não cogitar tal destino. Uma geração (quase) inteira seguindo a cartilha dos livros de auto-ajuda: positivos, visualizando o sucesso, vivendo no modo facebook, falando exclusivamente sobre o que é lindo, o que deu certo, varrendo para longe o que nos assusta. Temos tentado conviver cada vez menos com o azedo e o amargo da vida.
Propostas como essa colocam as crianças em contato com a variedade de sentimentos que nos habitam. O medo, a aflição e a raiva são ingredientes de nossa história tão importantes quanto a alegria, a esperança e o amor. Penso que devemos falar mais sobre eles. Fazer essa lição de casa. Não para evitar o que estiver listado, mas para tomar conhecimento, quem sabe tentar uma aproximação, uma reconciliação. É um exercício de coragem.