A polêmica em torno de uma nova lei de autodefesa aprovada na Flórida começa pelo nome. Embora se chame "Stand Your Ground" – algo como "Defenda o seu Território" –, os críticos se referem à medida, que entrou em vigor no início deste mês, como a lei do "Atire Primeiro".
Em termos gerais, a nova lei permite que uma pessoa use a força – o que inclui disparar uma arma – se for atacada ou se sentir "um medo razoável de morte ou de grande dano corporal" dentro da sua casa ou do seu veículo.
Em lugares públicos, ela também pode revidar com a mesma força, se for atacada. A lei anterior reconhecia o direito de atacar primeiro apenas dentro de casa, princípio da chamada Doutrina do Castelo, e determinava que a pessoa atacada tinha a obrigação de fugir antes de partir para o contra-ataque.
Para a organização Brady Campaign, que defende controles mais rígidos para o uso de armas nos Estados Unidos, a nova lei incentiva a violência porque o uso da arma passa a ser o primeiro recurso para resolver um conflito, em vez do último.
"A nova lei dá carta branca para as pessoas ficarem onde estão e escalarem a discussão para algo que pode resultar em morte", afirma a representante da Brady Campaign na Flórida, Dana Quist.
Ela cita uma situação que considera possível num acidente de carro, em que uma pessoa pode achar que a outra vai pegar uma arma no porta-luvas quando na verdade está procurando seus documentos.
Cerca de 26% da população adulta da Flórida vive em uma casa onde há pelo menos uma arma, segundo uma pesquisa nacional realizada em 2002. A proporção fica abaixo da média nacional, que está acima dos 30%.
Turistas
A organização está distribuindo folhetos no Aeroporto Internacional de Miami, com críticas à nova lei e recomendações para os turistas que chegam desavisados à Flórida.
Os ativistas dizem que, por estarem menos familiarizados com a legislação local, os visitantes estão mais expostos aos riscos supostamente criados pela nova lei.
"Se você se envolver em um acidente de trânsito, permaneça no seu carro e mantenha as suas mãos à vista", diz uma das recomendações do folheto.
A diretora de Relações Públicas do Escritório de Turismo da Flórida, Vanessa Welter, acusa a Brady Campaign de usar os turistas para levantar uma bandeira política.
"Nós não temos tido nenhum tipo de manifestação que nos preocupe. A Flórida é um destino muito seguro, o Estado tem atualmente os menores índices de violência em 34 anos e nós tivemos um recorde de 79,7 milhões de visitantes no ano passado", afirma Welter.
Segundo Welter, a nova lei não vai afetar o turista. "Eu não acho que a nova lei vá mudar nada. Eu acho que a Brady Campaign está tentando fazer com que as pessoas acreditem que as coisas vão mudar."
Mas a mineira Eva Gomes, que estava viajando com a família pela Flórida, mostrou-se surpresa e preocupada com a nova lei.
"Eu sou contra. Acho que pode incentivar a violência ainda mais. Hoje em dia as pessoas são estressadas e por qualquer coisinha fazem um cavalo de batalha e aí isso gera violência, que gera mais violência", disse, ao se preparar para embarcar de volta para o Brasil depois de dez dias na Flórida.
Mas há também quem aprove a medida. "Eu acho que a lei é boa", diz o inglês Robert Blance, que mora na Virgínia. Blance diz que tem uma arma e que, com a nova lei, se sentiria mais seguro em usá-la se precisasse.
Rudy Barros, contratado pela Brady Campaign para distribuir os folhetos no aeroporto, diz que as reações dos turistas realmente têm sido das mais variadas.
"Há aqueles que lêem o folheto e voltam para agradecer a informação e outros que dizem que a campanha está passando uma mensagem muito extrema", diz Barros.
Ele diz, no entanto, que uma resposta que ele esperava ter e não se confirmou foi a de pessoas dizendo ter perdido a vontade de visitar o Estado por causa da lei.
Ainda assim, a Brady Campaign diz que considera a iniciativa um sucesso e pretende estender a distribuição de folhetos – atualmente em Miami, Detroit, Chicago e Boston - para mais aeroportos.
A organização também colocou anúncios em jornais da Grã-Bretanha, de onde sai boa parte dos turistas que visitam a Flórida.
A congressista republicana pela Flórida Marion Hammer, da Associação Nacional de Rifles, o principal grupo do lobby pró-armas nos Estados Unidos, diz, no entanto, que a campanha distorce informações.
"A Brady Campaign é uma farsa, é feita para conseguir publicidade. A nova lei é muito clara, permite que você use força letal quando alguém invade a sua casa, tenta roubar o seu veiíulo quando você está nele ou ataque você na rua. E neste caso você só pode responder ao ataque com a mesma força", diz Hammer.
Para Hammer, a antiga lei não era suficiente para garantir o que ela considera o "direito absoluto" da auto-defesa.
"Eu tenho o direito de viver quando eu sou atacada fora de casa tanto quanto dentro da minha casa", diz ela.
"A lei (anterior) foi erodida por promotores liberais que impuseram a obrigação de (uma pessoa atacada) fugir e tiraram o direito absoluto de uma pessoa de se defender na sua casa e no seu veículo. O que nós fizemos foi devolver esse direito", defende.
A congressista vai além, dizendo que a lei vai reduzir os índices de crimes na Flórida, atualmente já no menor patamar em 34 anos, e que deveria ser adotada em todos os Estados do país.
Como é de se esperar, a congressista é radicalmente contra a proibição do comércio de armas de fogo e munições, motivo de referendo no Brasil.
"É um direito humano básico alguém poder proteger a si mesmo e a sua família de violência e todo país que tenta tirar esse direito ou os meios para defendê-lo deveria ter vergonha."
Nos Estados Unidos, no entanto, o porte de armas é um direito constitucional e as polêmicas se desenrolam em torno dos controles do uso dessas armas. No Brasil, no entanto, a polêmica pode estar apenas começando.