É um fato que quanto maior o poder aquisitivo da mulher, maiores as chances dela optar pela cesárea; o que faz lembrar o que todo cientista social sabe, que não são as classes abastadas que mudam o mundo. Fora algumas exceções, elas em geral são conformistas ao sistema ao qual pertencem e do qual extraem as vantagens que as favorecem. Mas por que as mulheres dessas classes são as mais resistentes ao parto humanizado?
Seu ativismo e independência no trabalho parece não contagiar as dimensões tradicionais do feminino. Não quero com isso dizer que a mulher só se realiza se for mãe, e que seguir a fisiologia de seu corpo fêmea a torna uma verdadeira mulher. A questão é a alienação dessas mulheres de seu próprio corpo e de sua dimensão humana múltipla, não só racional. Alienação esta que acaba por espalhar-se na relação nem sempre fácil com o bebê e à vivência da maternidade como um todo.
Este tipo de mulher é tão alheia a seu corpo real, concreto, orgânico, falante quanto pode ser íntima a tratamentos de beleza e a estereótipo deste mesmo corpo. Ela sabe tão pouco dos ritmos naturais da corporeidade feminina quanto uma camponesa que vive fora do mundo tecnológico sabe de computadores. Entretanto, se é possível viver sem computador, é definitivamente um problema sério viver alienadas da própria corporeidade e instintualidade.
A realidade dessas mulheres prova que o espaço social conquistado pelo feminismo foi preenchido na condição das mulheres se inserirem num sistema que, ao lhes dar poder social e sobretudo monetário, lhes tira em contrapartida as condições de ser inteiras.
Elas se tornam um típico exemplo da dicotomia cartesiana entre mente e corpo. Seu corpo lhes é estranho e tudo o que nele acontece e vem dele gera insegurança. Útero, hormônios, vagina, peito, bebê, leite: são corpo. Todos os momentos da gestação, parto e cuidados com o bebê (e um filho por muitos anos afora) são mediados pelo corpo. Não há botão que desliga, nem horários, promoções e resorts. É trabalho braçal que depende de bom senso, doação e presença - mediados por instintos, sensações e sentimentos. Uma mulher que não se sente à vontade com essa dimensão de seu ser se sentirá perdida e insegura. Para fugir desse sentimento, entrega a outros o processo: um médico cinco estrela para cuidar de sua gestação, uma cesárea para não não enfrentar o emocionalmente poderoso parto ativo, uma enfermeira pronta para cuidar do bebê para amenizar o puerpério... (e a maternidade…), etc. O uso de status e dinheiro não passa de uma máscara para cobrir vazios e fraquezas que permanecerão não resolvidos e que podem voltar, um dia, sob novas formas nos problemas de seus filhos. Infelizmente.
*Adriana Tanese Nogueira
Holistic Life Coaching e
Perinatal Education
www.adrianatanesenogueira.org