Há mais ou menos 5 meses atrás, uma cliente minha me telefonou muito preocupada. Uma gatinha de mais ou menos 6 semanas de idade foi encontrada dentro de um container que tinha sido transportado de uma locação distante até a locação do trabalho dela. Todos os empregados do local se juntaram e se propuseram a cuidar da gatinha, que, realmente, era linda! Imediatamente, todos puderam notar que a perna direita dianteira estava severamente machucada. A gatinha, no entanto, estava faminta e mais preocupada com a sobrevivência do que com a dor na pata. E todos começaram mimar a nova companheira de trabalho. Com a melhor das intenções, a ferida foi sendo limpa e um creme de antibiótico triplo aplicado na ferida duas vezes ao dia.
Mas a minha cliente notou alguns dias depois que a gatinha, Luna, como foi batizada, já
não era a mesma. Estava quieta, com pouco apetite e quase não tomava água. E o que era mais alarmante, a perninha dela tinha um mal cheiro insuportável. Foi aí que ela me contou toda a história da Luna e eu imediatamente recomendei que ela a levasse pro meu hospital para um exame completo.
Ao primeiro contato com Luna, era óbvio que os tecidos da perna dianteira dela estavam em processo avançado de necrose: a metade distal (a metade de baixo) do membro afetado estava preta, e não tinha sensação. Com uma agulha eu fiz uns pequenos furinhos nessa parte preta e Luna nem percebeu. As punções também não provocaram sangramento algum, ou seja, não havia fluxo de sangue para a extremidade inferior da perna. O odor que a cliente percebeu vinha da axila, onde uma secreção verde se acumulava. Essa secreção era produto de uma infecção causada por uma bactéria extremamente agressiva e resiliente chamada Pseudomonas (mais tarde tivemos a confirmação por meio de uma cultura bacteriana), que vezes era resistente a quase todos os antibióticos mais comuns. Após o exame, eu recomendei a amputação da perna inteira na altura da escápula, numa tentativa de conter a infecção e a gangrena que poderiam levar a vida da Luna.
A dona ficou chocada com essa recomendação, mas ao mesmo tempo confiou em mim e deixou a Luna no hospital para cirurgia no mesmo dia. Eu expliquei os riscos da cirurgia, tais como anestesia num serzinho tão pequeno e jovem (ela pesava menos de 1.5 libras) a possibilidade de hemorragia, infecção e, claro, a morte. Mas Luna não só sobreviveu à cirurgia, mas acordou alguns minutos depois de passados os efeitos da anestesia pedindo comida! Após uma ligeira refeição na jaulinha, já se levantou e se esfregou nas barras, ronronando e miando. Depois daí, tudo voltou ao normal na vidinha de Luna e até hoje ela age come se tivesse 4 patas. Até na hora de enterrar o seu cocozinho na caixinha de areia ela “usa” a pata fantasma. Interessante de se olhar...
Mas nem tudo é fácil em casos de amputação de um membro. Sem dúvida, alguns animais levam mais tempo para se recuperar da cirurgia, a se adaptar ao novo centro de gravidade e a aprender a equilibrar-se. Animais que, antes da amputação, já não usavam o membro afetado se adaptam mais rápido. Por outro lado, pacientes obesos e cães de raça grande ou gigante provavelmente terão mais dificuldade em adaptar-se às novas condições.
As causas de amputação de membros mais comuns em medicina veterinária são relacionadas a acidentes em que a pata é afetada a ponto de não haver solução, como no caso de Luna; ou tumores ósseos (como por exemplo o osteosarcoma). Outros tipos de tumores, que quando se tornam tão grandes que causam dor, afetam a funcionalidade da perna e a qualidade de vida do animal também podem ser uma indicação para a amputação. No caso de tumores malignos, a amputação é considerada também um método de diagnóstico, pois o membro amputado pode ser mandado ao laboratório para uma biópsia confirmatória e para análise das bordas cirúrgicas (para certificar-se que células cancerosas não ficaram nas margens, o que requer cirurgia adicional para obter margens limpas com o objetivo de conter o processo canceroso).
Contemplar a possibilidade de deixar o seu bichinho de estimação no veterinário para uma amputação pode ser uma situação emocionalmente devastadora para muitos donos de pets. Mas se considerarmos bem, qual é, nessa situação particular, o plano B? Deixar o animalzinho sofrer a dolorosa realidade de uma grave e fatal infecção, fratura exposta ou câncer avançando insidiosamente ou eutanizar (sic) o bichinho?
Se você tem um animalzinho querido que está sofrendo de uma condição grave e a amputação é uma possível solução para o problema dele, procure informar-se com outros donos de pets que já tiveram que passar por situações semelhantes. O seu veterinário pode, com o consentimento prévio dos clientes, dar algumas referências para que você contate pessoas que já tiveram que tomar essa difícil (porém, recompensadora) decisão. Não rejeite a opção de amputar sem antes informar-se.
Existem vários blogs e “support groups” (por exemplo: http://people.ku.edu/~cadavis/AboutUs.shtml) escritos por donos de animais de estimação e também por veterinários. Procure ler e imaginar uma vida sem dor para o seu cachorrinho ou gatinho. Alguns vídeos no youtube também podem ser vistos e são absolutamente incríveis. Este link <http://www.youtube.com/watch?v=ssZTrf_56YU&sns=em >te leva a um vídeo que mostra um Greyhound que teve DUAS pernas amputadas! Só vendo para crer. O poder de adaptação dos animais simplesmente tem muito a nos ensinar. O blog Tripawds.com diz: “É melhor pular em 3 patas do que mancar em 4”.
Dr. Paula Ferreira - Ferreira Animal Hospital www.ferreiravetcare.com

