Ofertas de trabalho em tempo de crise como atravessa atualmente o Brasil, onde mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas, são muito bem-vindas. Ainda mais quando a oferta envolve vaga de trabalho “legal” nos Estados Unidos. Porém, o sonho caiu por terra para dois brasileiros Lísias Fernando Fefim, Gerente de Produção de 45 anos, do interior de São Paulo, e Vanessa Venâncio, 38 anos, Técnica de Enfermagem de Gravataí (RS).
Fefim foi solicitado a desembolsar quase $1000 para liberação de um “visto de trabalho”, num período de 7 a 10 dias, antes mesmo de embarcar para a Geórgia, onde começaria a trabalhar no dia 21 deste mês, enquanto Venâncio teria que enviar metade do valor do “visto” -$699- que seria usado como garantia de que ela realmente iria.
Gerente de Produção desempregado há dois anos, Fefim achou que esta seria sua chance de receber em dólar e sair da estatística de desempregados, além de melhorar de vida.
“Não é fácil depois de 20 anos de experiência, ficar fora do mercado de trabalho. Fui mandado embora devido à crise, a empresa que trabalhei estava recuperação judicial. Com uma proposta dessa, imaginamos um recomeço. Minha esposa trabalha em uma multinacional como operadora de produção, mas só ela segurando as pontas não dá”, disse.
Trabalhar legalmente nos Estados Unidos, com salário de $11.500 por mês, ($138 mil anual) mais uma série de benefícios, é um sonho até para os próprios americanos. Além do salário, o gerente de produção receberia 01 ano de moradia pela empresa, manutenção de automóvel ($650), viagens e eventos ($720), entre outros.
Há pouco mais de um mês, o paulista tinha acabado de criar um perfil profissional na rede social LinkedIn, usada por muitas empresas para recrutar profissionais, quando recebeu uma proposta em nome da companhia norte-americana Byers Engineering Company, que realmente existe e possui filiais em diversos estados americanos. A oferta neste caso foi para trabalhar em Atlanta, na Geórgia, na área de produção.
Fefim não precisou nem mesmo se candidatar à vaga. “Uma semana depois de eu abrir a conta no LinkedIn recebi um e-mail dizendo pra mandar meu currículo ao suposto empregador. Enviei e dias depois me retornaram dizendo que meu currículo tinha sido aprovado e começariam as etapas de entrevistas e todo o processo”, explica.
“Enviei cópia dos meus diplomas, certificados e do passaporte como pediram. No dia seguinte veio uma carta de trabalho com o número do meu passaporte e a carta para apresentar na embaixada em SP”.
O contato foi feito por uma pessoa que se identificou como Mr. Tim Swartz, do setor de Recursos Humanos da Byers Engineering Company, que enviou ao brasileiro um contrato detalhado de trabalho.
Depois de uns dias, terminado o processo com o “contratante”, foi solicitado pelo Mr. Swartz que o brasileiro entrasse em contato com outra empresa que seria responsável pela emissão do visto de trabalho – a World Visa Consultant, que se identifica no e-mail como “consultor independente de vistos licenciados nos Estados Unidos da América” que fornece serviços de consultoria profissional para viajantes e tem escritórios na Carolina do Norte, na Índia e Glasgow, na Escócia, e em Cambridge, na Inglaterra.
Esta, por sua vez, depois de enviar várias informações sobre os documentos necessários e como funciona o processo do visto de trabalho para não-imigrante (H-1B), solicitou que Fernando Fefim enviasse $885 para “taxas de processamento do visto”.
“Portanto, você deve preencher o Formulário USCIS H-1B Petition Number 1-129 anexado a este e-mail e enviar de volta para nós, incluindo a cópia digitalizada dos documentos exigidos, após a confirmação das Taxas de Processamento de US$ 885, o número de Petição do USCIS para Trabalhadores Não-imigrantes estará pronto em ou antes de sete [7] a dez [10] dias de trabalho infalivelmente”, diz o comunicado.
O pagamento da taxa de processamento poderia ser feito por banco, mas, para ganhar tempo, solicitou via transferência. “Como a data da sua entrada é 21 de maio de 2018, devido ao fator tempo, você deve enviar US$885 para taxas de processamento de visto via Money Gram Transfer para confirmação imediata do pagamento para processamento do seu visto”. Segundo Fefim, a empresa pagaria o valor de volta assim que ele chegasse em Atlanta.
Desconfiado, o gerente de produção solicitou à agência um “contrato” sobre o serviço do visto antes de enviar o dinheiro. Eles ficaram ressabiados, mas enviaram um “contrato”. Fefim informou então ao Mr. Tim que o havia adicionado no LinkedIn e pediu solicitação, para que o mesmo aceitasse. “Depois disso, não mandaram mais nada”, disse.
Recrutador faleceu há dois anos
Em contato com a Byers Engineering Company, a informação recebida pelo Gazeta News é de que o suposto Mr. Swartz realmente trabalhou na Byers, mas está morto desde fevereiro de 2016 e não faz parte da política da empresa tal cobrança. “O Sr. Swartz está morto desde fevereiro de 2016. Posso garantir que ninguém desta empresa, especialmente o Mr. Swartz, solicitou uma taxa de qualquer candidato em potencial para uma posição na nossa empresa”, afirmou por e-mail Tim Parker, Chief Operating Officer da companhia. O Gazeta News entrou em contato com a World Visa Consultant por email, mas não houve retorno até o momento, e também por telefone, cuja ligação não é atendida e finaliza na caixa postal. “Imagine quantas pessoas já foram afetadas! Muitas! Principalmente quem não conhece como funciona o visto para trabalhador. Porém, isso tudo serviu de lição aprendida e vou ajudar muito quem tiver dúvidas sobre isso”, conclui Fefim.
Babysitter por $3.600 mensais
Outra brasileira que quase caiu num golpe de trabalho parecido foi Vanessa Venâncio, 38 anos, Técnica de Enfermagem de Gravataí (RS), que há menos de um mês viu um anúncio na internet e ficou tentada com uma vaga de babysitter cujo salário seria $3.600 dólares mensais mais um subsídio semanal de $120. Além disso, a técnica de enfermagem poderia visitar a família no Brasil por 15 dias a cada seis meses. Com um salário atual três vezes menor e com dois filhos para sustentar, Vanessa não pensou duas vezes e se inscreveu. “Vi um anúncio na internet solicitando babá, motorista, e jardineiro para trabalhar para uma família e me inscrevi para a vaga de babá em New Jersey. Rapidamente recebi um e-mail de uma pessoa que seria minha ‘patroa’ dizendo quais seriam as minha atividades e como seria a vida na casa com a família, além dos documentos que eu precisaria arrumar, etc”, conta Venâncio. Depois de uns dias, a brasileira foi orientada a procurar a Golden Skyline Viagens e Agentes de Excursão e Consultores de Imigração e entrar em contato com uma pessoa pelo nome de August Bernard, que cuidaria da parte do visto e da vinda para os EUA. Por e-mail, a suposta “patroa” pediu à brasileira o pagamento de $699 dólares que seria usado como garantia de que Vanessa realmente iria. Esse valor era a metade dos $1.399 que a tal agência pede aos futuros “candidatos” pela documentação necessária para tirar o visto e seria reembolsado assim que ela chegasse à casa da família. “Eles dividiram em 50% para eu pagar e outros 50% a patroa pagaria. E ela disse que esse dinheiro seria devolvido assim que eu chegasse lá”, afirmou. A tal pessoa que seria a patroa desistiu quando a brasileira solicitou dados pessoais e números de telefone para confirmar e que também olharia o processo em uma agência no Brasil antes de enviar o dinheiro. Em contato com a agência em uma suposta procura por visto para trabalhar nos EUA, foi enviado pela mesma um e-mail com as informações da documentação necessária a ser escaneada e enviada por e-mail, além do pagamento de $1.399 para o processo de emissão do visto.Desconfie do que é “rápido, fácil, barato e garantido”
Como é um assunto que poucos dominam, os golpistas conseguem fazer vítimas. A advogada de imigração brasileira Ingrid Domingues, que atua nos EUA há mais de 30 anos, salienta que esse tipo de golpe é recorrente e as pessoas precisam desconfiar do que é “fácil, rápido, barato e garantido”. “Não existe processo desse tipo (Work Permit H-1B) em um curto período de tempo e com garantias. Se te oferecem um visto de trabalho em sete, 15 ou 30 dias, corre. Não existe visto que o candidato paga primeiro e que leve menos que oito, 11, 24 meses”, afirma. Ingrid explica ainda que todo o processo é feito pela empresa via advogado que somente ao final, quando é autorizado pelo departamento de imigração americana, o candidato é informado pelo advogado para comparecer a uma entrevista no consulado em seu país. “Não existe começar a trabalhar antes do processo completo e muito menos vir para os EUA para esperar o processo porque o visto só é pego depois de entrevista no consulado do país de origem”, aponta Dominguez. A advogada lembra ainda que empresas –fantasmas existem aos montes e que é preciso desconfiar e verificar as informações. “Geralmente as páginas na internet são falsas, assim como toda informação de contato que dão. Ou realmente existem, mas são usadas falsamente nos golpes”.
