Durante o boom imobiliário de 2006 e 2007, muitas construtoras americanas passaram a comprar o revestimento das casas, (“drywall”, em inglês), de fabricantes chineses ao invés de americanos. Além de os fabricantes americanos não poderem arcar com a demanda do produto, o drywall chinês era mais barato, segundo analistas. Mas isso acabou transformando o sonho da casa própria de muitas pessoas em pesadelo. Brasileiros, que também aproveitaram a época de fácil financiamento e valorização dos imóveis para fazer um investimento, acabaram tendo que lidar com a dor de cabeça de procurar o culpado pelo problema.
Os paulistanos Marcos Araújo e sua esposa Fernanda, viram a casa que compraram em Doral, em 2006, chegar a valer quase $500 mil dólares. Hoje ela vale $40 mil. “Ou seja, só o terreno”, disse Fernanda.
Estudos de laboratórios demonstraram que o “Chinese Drywall” tem grandes índices de pyrite, que causa oxidação e solta súlfur, um vapor corrosivo que estraga o sistema hidráulico, elétrico, eletrodomésticos, entre outras partes da casa. “Dizem que o vapor penetra profundamente em móveis e mesmo roupas”, disse Marcos.
Esse problema aconteceu em todos os EUA, mas a Flórida está entre os estados mais afetados. Entre 2006 e 2007, mais de 90 milhões de libras do material foram importadas.
Quando Fernanda e Marcos compraram a casa em Doral, mudaram-se para lá com o filho de quatro anos. Logo depois que descobriu o problema, Fernanda engravidou e passou toda a gestação na casa. Esse filho é alérgico desde que nasceu e hoje tem três anos. “Ele sempre fica gripado e tem uma alergia nas mãos e nos pés que chegava a sangrar”, conta. “Em junho resolvemos alugar outra casa e ele já melhorou muito. Quase não apresenta sintomas”.
Disputa
Residentes do condomínio do paulistano Bruno Contipelli, em Downtown Miami, conseguiram vencer a disputa contra a construtora. Bruno está vivendo de aluguel há meses enquanto espera pela reforma de seu apartamento.“Eles vão trocar todas as paredes, todos os fios, todos os metais dos banheiros, o ar condicionado e seus dutos, geladeira, micro-ondas, fogão, aquecedor, máquina de lavar prato, tudo”, disse ele. “Estão reformando dois andares de cada vez e cada etapa demora três meses. Estamos na rua até dezembro e, claro, continuo pagando as prestações e a associação do condomínio”.
Mas, para Bruno, a preocupação vai além dos gastos financeiros. Ele se preocupa com os efeitos a longo prazo da exposição ao produto. “Eu sei que eu vivi de 2007 a 2013 no apartamento com o Chinese Drywall... Será que vou ter um câncer em consequência disso?”, questiona. “Se faz mal para o ferro, imagino que faça mal para o fígado, pulmões, rins, etc”.
Mais de um fabricante
Quando a prefeitura de Doral foi fazer inspeção, em 2009, constataram uma corrosão excessiva na casa. “Em três anos, a casa aparentava que tinha 10”, resume Marcos.O casal participou de uma ação conjunta de seu condomínio contra os fabricantes do “drywall”, já que a construtora entrou em concordata logo após a construção. A dor de cabeça aumentou quando o casal descobriu que sua casa tinha as paredes feitas por mais de um fabricante chinês e foi preciso iniciar um novo processo. “Quem tinha mais de um fabricante acabou ficando por último”, explica Marcos. “Nossa casa ficou parecendo um queijo suíço de tanta inspeção que fizeram nas paredes”.
No mês passado, eles finalmente conseguiram que a empresa fabricante de 60% do material da casa, a Knauf Group, pagasse por parte do prejuízo para que eles comecem a reforma. “Mas isso não deve cobrir os gastos que teremos com a reforma e nem os que tivemos até agora”, disse Marcos, que prefere não calcular o prejuízo até o momento. “Pelo menos acreditamos que nossa casa volte a valer o valor de marcado”.
“No começo, quando isso tudo estourou, quem se qualificou para os programas piloto não teve tantos problemas, já que a própria prefeitura colaborou com inspeções e isenção de impostos para a reforma”, disse Marcos, que trabalha com importação e exportação. “Agora, todos esses descontos acabaram e quem já foi prejudicado por um processo mais longo, será mais prejudicado ainda. Nós, que trabalhamos com importação e exportação, sabemos o quanto o Food and Drug Administration (FDA) é exigente e vemos que o governo fechou os olhos para isso”.

