Comer é certamente mais do que um ato baseado na necessidade fisiológica. Somente os animais, deixados livres e a si próprios apresentam um padrão fisiológico de alimentação. Mas, no mundo humano, nada é simplesmente fisiológico, muito menos o ato de comer. A enorme quantidade de distúrbios alimentares o prova. Comer está relacionado a pelo menos quatro fatores: · À cultura na qual vivemos; · Aos hábitos que temos adquirido desde criança e que vêm de nossa família; · Aos traços de nossa personalidade; · E aos processos intrapsíquicos que vivemos num determinado momento ou durante uma longa fase da vida ao ponto de se tornarem um padrão repetitivo. Se olharmos com mais profundidade, todos esses elementos se resumem à psicologia. Uma vez que os hábitos sociais, familiares e individuais nascem da forma que uma pessoa tem de se sentir, viver, pensar e agir na própria vida, eis que ao analisarmos a dimensão individual podemos por amplificação compreender melhor a cultura familiar e aquela social.
A relação com a comida espelha a personalidade de cada pessoa. Temos quem come rápido, quem come devagar, quem come muito, quem come pouco, quem seleciona a comida, quem é alérgico a esta ou aquela comida, quem abusa da comida, come muito de uma vez ou come pouco várias vezes. Qual é seu tipo?
Apesar da comida ter uma forte conotação psicológica, ela surge na nossa experiência como uma necessidade vital. Nutrir-se é questão de vida ou morte, simplesmente. Começa assim e começa logo após o nascimento. Nosso primeiro alimento é nada menos que nossa mãe. A vida biológica está programada de modo que todo bebê mamífero está predisposto a procurar um bico de peito de onde sugar o alimento indispensável para sua sobrevivência. Não tem nada de racional aqui, está tudo embutido na biologia que nos informa. Por ser tão pouco racional é também tão difícil, em idade adulta, controlar hábitos, e vícios e problemas alimentares.
Por podermos razoavelmente confiar que a natureza atua desde o nascimento, logo os instintos básicos da animal humano estão funcionando perfeitamente bem. Todo bebê preza sua sobrevivência, por isso mama. Devemos considerar este como o ponto de partida. Mamar não começa como escolha, e sim como necessidade... até entrarmos plenamente no reino humano, onde o biológico se mescla com o psicológico.
Do ponto de vista da racionalidade adulta, dizemos que a mãe é nossa primeira fonte de alimento, mas do ponto de vista da simbiose mãe-bebê que é a realidade dos dois por meses e anos, então nossa mãe é nosso primeiro alimento. Nos alimentamos de nossa mãe e obviamente não mamamos só seu leite, mamamos suas emoções, seu estado psíquico, intelectual e espiritual. Está tudo misturado naquela alquimia inicial do leite materno.
E se a mãe tiver dado mamadeira e não peito, o que acontece? Basta se colocar no ponto de vista do bebê. Se vocês estivessem programados para procurar um bico de seio humano, quente, macio, gostoso, que vem junto com contato pele a pele, cheiro, calor... e não o encontrassem, o que iriam sentir? Deixo a vocês a resposta. Sim, mas o leite da mamadeira também está quentinho e é dado com amor... certo. Mas tentem pensar na diferença que há entre transar nus e transar com roupas. O ato de amor requer nudez, a gente quer sentir o corpo de verdade do outro, se livrar da roupagem e das fantasias sociais que o mundo impõe, buscando o contato alma com alma que a nudez representa. Se a mãe é nosso primeiro alimento é então na relação com ela que devemos procurar entender nossa relação com a comida, pelo menos em parte. Rejeição à comida? Excesso de comida? Alergia à comida? O que estas situações dizem a respeito de nossa relação com nossa mãe?
Não queremos, porém, ser apressados e generalizantes porque a psicologia assim feita é traiçoeira. Precisamos ir fundo no individual para dar respostas realmente satisfatória. Nos limitamos aqui a linhas gerais de reflexão. Dito isto, seguimos adiante.
Nossa mãe não é só leite. Como disse antes, dela sugamos também suas emoções, seus problemas e sua sombra. Logo, conforme for nossa personalidade, que já existe desde recém-nascidos, iremos atrair estas ou aquelas questões maternas.
A primeira relação com a comida está relacionada portanto com a relação que tivemos naquele início de vida com nossa mãe (e seus problemas). Mas não basta, quando nos diferenciamos da mãe, lá pelos 2 anos de idade e começamos a desenvolver nossa própria pessoa, entramos aos poucos em contato com o mundo. Não só com as comidas do mundo que preenchem sempre mais nossa dieta como com as pessoas que compõem esse mundo.
Novamente, comida não é só o arroz e feijão, mas o que vem com eles. Como a fisiologia ensina, a refeição é um momento comunitário em que liberamos ocitocina, o hormônio do amor, e, de fato, desde o começo, comer sempre foi feito na companhia de alguém, sendo nossa mãe nossa primeira parceira, a mãe que tanto amamos. Essa dimensão simbólica da comida perpassa a vida toda, mesmo quando comemos em solidão, um alimento possui valores nutricionais de caráter emocional e afetivo que acionam bem-estar ou mal-estar.
Esse mundo que comemos, essas frutas, essas batatas fritas, esse churrasco, esse arroz e feijão, esse pão, é um mundo de relações, de experiências que nos fizeram sentir bem ou mal, amados ou rejeitados, quistos ou afastados. Mesmo que com nossa mãe a alimentação tenha sido um momento de amor e aceitação, resta esta outra dimensão na qual estamos sozinhos. Sozinhos, sem o afago do abraço materno.
Na tentativa de recuperá-lo, que ele tenha sido real ou que seja uma miragem que dá a sensação de não afogar, comer é se apossar do mundo para fortalecer nossa vida, para nos fazer sentir amados, ou menos só, capazes ou menos rejeitados.
E quando não comemos? Recusamos um mundo que nos traiu, nos humilhou, que nos deixou na mão. Um mundo no qual não nos identificamos. Desenvolvemos alergias e, ao selecionarmos comidas, estamos buscando criar artificialmente um mundo no qual cabemos, feito somente daquelas coisas que “nos fazem bem”. Um mundo ideal – que não existe.
Do que você se nutre, como come e quando come? Eis uma chave do autoconhecimento.
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Holistic Life Coaching
Relacionamentos, Dificuldades, Busca, Comportamento, Parto e Maternidade
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*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach
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