Um livreto em papel verde, datado de 1974 e levemente amarelado pelo tempo, reúne os estatutos do Centro Espírita São Jorge, localizado no bairro de Cordovil, zona norte do Rio de Janeiro. O item é parte de um acervo sobre cultura afro-brasileira doado esse ano ao Arquivo Nacional pelo colecionador Fernandez Portugal Filho, que também é jornalista, antropólogo e babalawô.
Estatutos de umbanda são documentos que estruturam o funcionamento de cada terreiro, o que inclui administração (diretoria, conselho), fins (religiosos, culturais, beneficentes) e normas de conduta (caridade, não cobrança por atendimento espiritual).
Do ponto de vista historiográfico, são registros que permitem conhecer melhor realidades locais, experiências de um grupo social específico e dinâmicas de um contexto sociopolítico mais amplo.
Esses estatutos têm grande importância histórica. O acervo tem desde itens dos anos 1940 e 1950, até aqueles estatutos extremamente interessantes do ponto de vista político e social, elaborados em plena ditadura militar, explica Fernandez.
A relação entre umbanda e ditadura militar é apenas uma das possibilidades de investigações que podem ser feitas a partir dos documentos oriundos do Centro de Estudos e Pesquisas de Cultura Iorubá, fundado em 1977 por Fernandez.Eles mostram como a umbanda se defendia dentro da estrutura militar, quais elementos eram utilizados para se fortalecer naquele contexto. Isso ajuda a elucidar o comportamento das lideranças da época, inclusive disputas internas e divisões patrimoniais, complementa.
O colecionador explica que começou a reunir todo o material quando entrou para o candomblé (depois migraria para a umbanda). Com o tempo, ele se tornou uma referência em religiões de matriz africana, sendo convidado a participar como conselheiro da criação de estatutos de terreiros no Rio, e recebendo visitas de dirigentes religiosos e babalaôs de outros estados.

