Minha filha: aplica-te para entrares na faculdade. Não queiras ser como eu, que passo a vida a trabalhar…”
Recomendava, mãe zelosa, ao encontrar a filha agarrada ao teclado do computador. Outra, que conheci no meu tempo de rapazote, castigava o filho a trabalhar na construção civil, para que soubesse como é custoso ganhar a vida.
Senhora, que se aposentou ainda muito nova, dizia às amigas íntimas: que ia frequentar a universidade. Assim havia motivo para não fazer a lida doméstica…
E ainda outra, que não ensinava às filhas prendas de mãos, porque, sendo doutoras, tinham depois quem cozinhasse e trabalhasse para elas…
Muitos jovens frequentam um curso superior, porque pensam que assim libertam-se de “trabalhar”. Outros – seguindo a velha canção coimbrã, que diz: “ Quero ser sempre estudante….” - passam anos na escola, para gozarem a vida.
Jovem, de trinta anos, confidenciou-me, que, - como vive à custa dos pais, - prefere tirar “especialidades” do que dar aulas.
Confessou-me que não gosta de horários fixos e obrigações. Estudar, para ele, é divertimento, já que decora com facilidade e percebe sem esforço a matéria.
Tudo isso porque inculcou-se na mente de muitos que ser doutor é: mandar, ver trabalhar, os que por carência de meios – monetários ou mentais, – não conseguiram chegar ao fim do curso.
Muitos há que dizem, e com muito acerto, que não há trabalho indigno. Todos são respeitáveis; e concluem eufóricos: “ Trabalhar é honra!”
Mas qual pai – a não ser que seja desnaturado, – que não acicata o filho ou filha a cursar a faculdade, a não obter o título de doutor?
É que ser doutor, no nosso tempo, é quase o mesmo que ter título nobiliárquico.
Mas, muito enganado anda quem pensa que, sendo “doutor”, não trabalha. Outrora podia ser que assim fosse…e nem sempre…
Mas, agora, com a abundância de licenciados, mal vai o jovem recém-formado, que não se aplique, trabalhando duro, horas a fio. Ao visitar determinada empresa, presenciei dois homens de macacão azul, todo enodoado de óleo. Tinham o rosto manchado de graxa e as mãos e unhas negras.
Disseram-me que eram engenheiros franceses, altamente especializados, que andavam a montar uma máquina. Reparei, que havia homens engravatados e revestidos de boa fazenda, a observar. Soube, mais tarde, que eram engenheiros da firma, e apreciavam o trabalho dos colegas…
Nós, os latinos, ainda sofremos complexo abstruso, que parece mal o doutor ou engenheiro trabalhar junto aos operários.
Estuda-se não para saber e ensinar, mas para ganhar mais e trabalhar menos…ou nada.
E tão arreigado está esse conceito, que quando se vê alguém, de mãos nas algibeiras, confortavelmente recostado e de pernas cruzadas, logo comentamos com ironia:
“Parece um doutor!”.
*Humberto Pinho da Silva escreve para o blog luso-brasileiro PAZ.