Pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi mostra que 65% dos eleitores não se lembram em quem votaram para deputado federal em 2002. Indício de apatia da população em relação ao sistema, esse é apenas um dos muitos problemas que a democracia representativa enfrenta hoje não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
De acordo com o cientista político e professor da Universidade de Brasília Luís Felipe Miguel, nos países em que o voto é facultativo esse sintoma transparece no baixo comparecimento às urnas. Segundo ele, nos Estados Unidos o percentual da população apta a votar e que efetivamente o fez foi de apenas 51,2% nas eleições de 2000 para o Congresso. "Tendência similar é observada em outras democracias eleitorais consolidadas, como Reino Unido, França, Itália, Suíça e Canadá", acrescenta.
Mesmo em países da América Latina, onde, como no Brasil, o voto é obrigatório, a participação eleitoral também é decrescente. Segundo Luís Felipe Miguel, a soma de votos em branco, nulos e do não-alistamento eleitoral mostra que mais de 40% dos brasileiros em idade de votar desprezam o direito de escolher seus representantes.
As causas desse desinteresse generalizado pela política são muitas e complexas.
A cientista política e professora da UnB Lúcia Avelar acredita que ele decorre do desencanto com o sistema. "A democracia representativa é uma invenção de mais de 200 anos, de um tempo em que o mundo era muito diferente, em que vigia um sistema de quase pleno emprego. Não foi um sistema desenhado para atender as massas e que, por isso, não dá conta de corresponder às suas expectativas", avalia.
Liberdade dos eleitos
O sistema representativo foi pensado para permitir a participação popular nas decisões do Estado, uma vez que não é possível participar diretamente de todas as instâncias decisórias em sociedades complexas como a contemporânea. Mas os problemas começam pelo próprio conceito de representação.
Uma vez eleito, o representante deve ter toda liberdade de agir em nome de quem o escolheu ou deve ser fiel às proposta de seu partido?
Como afirma o cientista político e consultor da Câmara Antônio Octávio Cintra, integrantes de partidos com tendências de esquerda costumam defender o chamado mandato imperativo - a adesão quase incondicional do eleito às propostas partidárias. "No entanto, há constituições, como a alemã, que chegam a proibir essa vinculação", explica.
Na prática, o que quase sempre prevalece é a liberdade de ação dos eleitos. Com isso, estabelece-se um dilema - o eleitor pode escolher nomes, mas não decisões, e nada garante que seus interesses serão realmente defendidos. O efeito dessa situação pode ser a desconexão entre o representante e aquele a quem representa, fato considerado pela cientista política norte-americana Iris Marion Young o principal problema desse sistema.
Executivos com muitos poderes também são apontados como fator de crise para o sistema. Antônio Octávio Cintra afirma que esse é um problema mundial. O especialista explica que, nos Estados Unidos, o presidente tem enorme liberdade de ação por meio das ordens executivas. "O mesmo ocorre na Itália, com as medidas provisórias, na França, por meio dos decretos, e mesmo na Inglaterra, onde o governo nasce dentro do parlamento, mas logo começa a mandar nele", acrescenta.
Agência Câmara