Com o relançamento de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o tratamento dado aos imigrantes em situação irregular voltou ao centro do debate público. Em uma ofensiva que mistura pressão psicológica, incentivos financeiros e novas tecnologias, o governo americano inaugurou uma nova fase do seu plano de deportações em massa - a aposta na "autodeportação". Essa ofensiva inclui a apropriação do aplicativo CBP Home, previamente 'CBP One', criado pelo governo Biden para facilitar o processo migratório.
A ferramenta, segundo o Departamento de Segurança Interna (DHS), oferece aos migrantes a possibilidade de registrar a intenção de deixar o país por conta própria. Além disso, o novo governo anunciou que pagará US$ 1.000, além de custear as passagens, para quem optar por retornar ao país de origem sem esperar pela deportação forçada. O objetivo, segundo a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, é reduzir os custos elevados de remoção compulsória — estimados em até US$ 17 mil por pessoa.
Mas, por trás da proposta de uma "saída digna", imigrantes brasileiros relatam uma realidade bem diferente: prisões arbitrárias, boatos difamatórios, pressão para assinar a deportação voluntária e até maus-tratos durante os voos de repatriação.
O pintor carioca Lucas dos Santos Amaral, de 29 anos, foi detido em janeiro, apenas uma semana após a posse de Trump. Ele vivia com a esposa grávida e a filha pequena em Massachusetts, e estava a caminho do trabalho quando foi abordado por agentes do ICE (Imigração e Alfândega). Mesmo sem antecedentes criminais, foi algemado e transferido para prisões em dois estados — Massachusetts e Texas.
"Eles fazem de tudo para te quebrar psicologicamente, para você aceitar a deportação voluntária e ir embora", relatou Lucas, que resistiu à pressão até ser libertado sob fiança de US$ 8 mil, à BBC. O brasileiro ainda aguarda julgamento de seu processo migratório, enquanto tenta reconstruir a vida com a família.
Nem todos, no entanto, têm a mesma sorte. Voos com deportados brasileiros têm chegado regularmente ao Brasil, com relatos recorrentes de abusos. Muitos deles afirmam que ficam algemados por mais de 24 horas, sem acesso regular a água e comida, sendo tratados "como criminosos perigosos".
"Tratam a gente pior que animal", disse o mineiro Igor Gomes Soares, que ficou três meses preso após se entregar. Já João Vitor Batista, de 26 anos, disse que após a posse de Trump "a gente não tinha mais direito nenhum de fala". Para ele, a experiência nos EUA deixou marcas, mas também trouxe um novo olhar sobre o Brasil: "Por mais difícil que seja, a gente está em casa".
O impacto da nova política é visível: apenas nos primeiros meses de governo, mais de 500 brasileiros já foram deportados, segundo dados oficiais. Alguns, como o vendedor Igor da Silva, chegaram a compor músicas na prisão como forma de desabafo. "Perdi minha família, meu dinheiro e quase um ano", canta ele em um rap escrito atrás das grades.
Casos como o do carpinteiro Paulo Queiroz, que viveu 15 anos nos EUA e voltou sem notícias da esposa, e do mestre de obras Marcos Rosário, que perdeu 10 quilos na prisão, evidenciam que a deportação muitas vezes não é uma escolha, mas o resultado de um sistema que isola, pressiona e desumaniza.
Mesmo diante das dificuldades, há brasileiros que ainda defendem, com ressalvas, a política migratória de Trump. "Acho que ele quer melhorar, mas a estratégia está bagunçada", opina Lucas, que vê seu caso como um "efeito colateral" de uma política mal calibrada.
Enquanto isso, com milhares de vidas em suspenso, cresce o temor de que a "autodeportação" vire mais uma forma de mascarar o endurecimento das deportações, transferindo a responsabilidade para os próprios imigrantes.
O presidente Donald Trump afirmou nesta segunda-feira (5) que os imigrantes que deixarem os Estados Unidos voluntariamente terão uma chance de voltar ao país se forem "boas pessoas" e amarem a nação norte-americana. Ele não deixou claro como funcionaria esse retorno, nem se há um tempo mínimo para que a entrada dos imigrantes seja permitida novamente no país.
O que dizem os especialistas
Aaron Reichlen-Melnick, pesquisador do Conselho Americano de Imigração - ONG que defende os direitos dos imigrantes -, vê desvantagens no processo de saída voluntária. Ouvido pela AP, ele afirmou que sair do país e não contestar o caso na Justiça pode ser prejudicial, especialmente se o imigrante já estiver em processo de deportação.
"O status migratório das pessoas não é tão simples quanto estão tentando fazer parecer", disse.
Ele também questionou a origem dos recursos da DHS e a autorização legal para fazer esses pagamentos prometidos de US$ 1 mil. Ele ainda sugeriu que isso demonstra que o governo não consegue prender e deportar tantas pessoas quanto prometeu, por isso precisa incentivar que elas saiam por vontade própria.
"Eles não estão conseguindo atingir seus números", disse.
Já Mark Krikorian, diretor do Center for Immigration Studies - organização que defende políticas migratórias mais restritas -, disse não ver a oferta de pagamento como um sinal de que algo está falhando na política de imigração do governo Trump.
Diante dos milhões de imigrantes ilegais no país, ele comentou que é impossível deportar todos e, por isso, é necessário combinar esforços de fiscalização com o incentivo para que deixem o país voluntariamente.
Krikorian disse apoiar a ideia de pagar para que migrantes deixem o país, embora questione a viabilidade prática da proposta.
"Como garantir que eles realmente voltaram para casa? Fazem eles assinarem um acordo em que prometem não contestar a deportação caso retornem?", questionou. "A execução importa, mas o conceito é válido."