As embaixadas dos Estados Unidos na América Latina vêm passando por uma mudança profunda de discurso e postura desde o retorno de Donald Trump à Presidência. Uma investigação do site Prismm revela que representações diplomáticas americanas em países como Venezuela, Brasil e México têm utilizado redes sociais para difundir mensagens anti-imigração, alinhadas à retórica do atual governo, rompendo com a tradição diplomática de cooperação e diálogo.
Criadas para prestar assistência a cidadãos americanos no exterior e processar vistos de entrada, as embaixadas passaram a usar seus perfis oficiais, sobretudo no Instagram, para desestimular a migração por meio de ameaças explícitas, campanhas de medo e até memes populares. Segundo o levantamento, foram analisadas mais de 900 postagens publicadas entre janeiro e agosto de 2025 pelas embaixadas dos EUA nos três países.
Na Venezuela, a guinada é especialmente evidente. Entre janeiro e agosto, a embaixada americana publicou 348 postagens, das quais 45% continham retórica anti-imigrante. Em uma delas, divulgada em espanhol, o órgão alerta que "cruzar a fronteira ilegalmente tem consequências", incluindo prisão, multas e acusações criminais, e pede que os venezuelanos "não arrisquem a própria vida nem a de suas famílias". Outras mensagens incentivam a "autodeportação", política implementada pelo Departamento de Segurança Interna (DHS) que oferece US$ 1.000 a migrantes que retornarem voluntariamente por meio de um aplicativo oficial.
No Brasil, a atuação da embaixada também gerou controvérsia. Em julho, uma postagem — posteriormente apagada — usou a imagem do personagem E.T., do filme homônimo, com a legenda em português: "Até o E.T. sabia quando era hora de voltar para casa". A publicação foi interpretada como um ataque a imigrantes e repercutiu negativamente na imprensa brasileira. Para a pesquisadora Ilana Hartikainen, da Universidade de Helsinque, o episódio é um exemplo do que ela chama de "populismo banana": o uso de humor e referências culturais para normalizar ideias polêmicas.
Outro ponto sensível foi a publicação de conteúdos criticando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, acusado pela embaixada de violar direitos humanos por combater a desinformação e atuar contra a tentativa de golpe de 2023. Para analistas, esse tipo de postagem reflete a pressão do governo Trump para que países aliados adotem uma visão irrestrita de "liberdade de expressão", alinhada aos interesses de empresas americanas de tecnologia.
No México, as redes sociais da embaixada têm associado imigração ao narcotráfico e à crise do fentanil, utilizando hashtags como #AmericaSafer e #AmericaFirst. A retórica acompanha decisões do governo Trump de classificar cartéis de drogas como organizações terroristas, abrindo espaço para ações militares e maior repressão, inclusive fora do território americano.
Segundo Jacob Ware, pesquisador do Conselho de Relações Exteriores, a comunicação das embaixadas representa uma ruptura com a diplomacia tradicional dos EUA. "Em vez de construir pontes, a mensagem agora é de fechamento e responsabilização dos outros países", afirma. Para ele, o discurso também funciona como sinalização racial, tanto para o público interno quanto internacional.
A investigação aponta ainda que essa abordagem não se repete em embaixadas americanas na Europa. Países como Espanha, França, Reino Unido e Suíça não registram campanhas semelhantes contra imigrantes, evidenciando um tratamento diferenciado direcionado sobretudo à América Latina.
Para especialistas, a exportação dessa retórica pode ter consequências graves, estimulando políticas repressivas, justificando violência estatal e agravando a situação de migrantes latino-americanos dentro e fora dos Estados Unidos. Mais do que uma estratégia de comunicação, o uso das embaixadas como vetores ideológicos revela, segundo os pesquisadores, o núcleo da visão de mundo de Trump e a transformação da diplomacia americana em uma ferramenta explícita de intimidação.

