Larry – Tem algo errado. Fala. Você vai me deixar? Andam se vendo?
Anna – Sim.
Larry – Desde quando?
Anna – Desde meu vernissage no ano passado... Desculpe, você é...
Larry – Não diga isso! Não venha me dizer “Você é bom demais para mim”. Eu sou, mas não diga. Está cometendo o maior erro da sua vida. Tomou banho porque tinha dormido com ele? Para tirar o cheiro dele? Para se sentir menos culpada? Como se sente?
Anna – Culpada.
O diálogo acima pertence ao roteiro de Closer, peça de teatro escrita por Patrick Marber, que ganhou popularidade após a montagem para o cinema. Ele é parte de uma história de amor, traição e mentiras que perpassa a vida de dois casais, vividos por Julia Roberts, Jude Law, Natalie Portman e Clive Owen. Pertence à cena em que Anna, personagem de Julia Roberts, conta ao marido, Larry, interpretado por Owen, que o está traindo. Enquanto ela tenta encontrar uma explicação direta, o companheiro esmiúça a traição. Quer saber os detalhes. Onde foram os encontros? Como foi o sexo? Se ela gosta de dormir mais com ele ou com o amante?
O tema da infidelidade ainda é um tabu. Muitos o tratam de forma velada, não se sentem completamente à vontade para se definir como traídos ou traidores. Embora pesquisas mostrem que homens e mulheres admitem já ter traído, a expectativa é de que os números sejam bem maiores do que o divulgado. Se é fato que a traição é um problema enfrentado pela maioria dos casais, alguns estudos mostram que ela ainda é assunto varrido para debaixo do tapete.
O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) constatou que apenas um em cada quatro brasileiros casados espera que o parceiro seja fiel. Isso significa que 75% das pessoas casadas acreditam que serão traídas. Já a pesquisa quantitativa com 1.279 homens e mulheres do Rio de Janeiro, coordenada pela antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, revelou que 60% dos homens e 47% das mulheres se confessaram infiéis.
Embora os motivos apontados por ambos para a traição sejam diferentes, a infidelidade conjugal tem sempre o mesmo culpado: o homem.
– Eles justificam suas traições por meio de um suposto instinto masculino. Já as mulheres dizem que seus parceiros, com suas faltas e galinhagens, são os verdadeiros responsáveis pelas relações extraconjugais delas. Ou seja, no discurso, a culpa da traição é sempre do homem: seja por sua natureza incontrolável, seja por seus defeitos no que diz respeito ao relacionamento – explica a antropóloga.
Segundo a pesquisa, ainda que a fidelidade seja apontada como valor indispensável à saúde da relação (deixando o amor em segundo lugar), a intolerância a traições é um mito.
– Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos casais que passa por essa situação não se separa. A maioria tenta superar – garante o psicólogo Enrique Maia, apoiado em pesquisa realizada pela colega de profissão Arlete Gavnaric, coordenadora da Pós-Graduação em Terapia Sexual da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo.
O levantamento promovido pela especialista aponta que 70% dos casais que deparam com situação de infidelidade seguem juntos. Mas o dilema que os assola diz respeito ao perdão. Palavra bonita, de significado redentor, mas de difícil execução prática. Exorcizar o fantasma da desconfiança não é fácil. Se o telefone toca, os olhos se arregalam; a cerveja do fim do dia com os amigos vira uma prova de fogo; o assunto volta a cada discussão. Retomar o relacionamento de modo sadio demanda diálogo, o que não significa detalhar a traição em miúdos, atitude dolorosa e pouco eficaz.
Estabelecer papéis de vítima e carrasco também não ajuda na recuperação. Segundo o psicólogo Enrique Maia, o traído sempre se colocará como vítima. A recomendação é que cada um busque identificar seu espaço na relação para reforçar o que uniu os dois.
– O sofrimento é inevitável, mas é possível superá-lo. Perdoar também significa lidar com a dor sempre que a traição é lembrada – reforça Enrique.
Há quem ria da própria desgraça
Ele chegou em casa e encontrou a mulher e o melhor amigo na cama. Foi em 1982. Hoje, entende que teve culpa na traição da ex.
– Eu juntava os amigos e ficava na rua de sexta-feira até segunda – lembra.
Mais nova, a companheira o traiu com um dos amigos de farra.
– Caí em decadência. Considerava ele um grande amigo. Na hora, quis matar, esfolar. Naquela época, principalmente aqui, corno só lavava a honra desse jeito – explica Pedro Soares, fundador da Associação dos Cornos de Rondônia (Ascron), órgão pioneiro na defesa dos traídos, que incentivou a criação de organizações similares em Estados como Ceará e Paraíba.
Até decidir dar novo rumo à experiência de ser traído, Pedro Soares passou por maus bocados.
– Fui até em macumbeira para ver se ela voltava. Queria a mulher de volta com chifre e tudo – lembra, aos risos.
Diante da recusa da ex-parceira, ele concebeu um novo pensamento sobre a traição: o de solidariedade.
– Tem muita gente que sofre por isso. Hoje, a associação conta com psicólogo e advogado para que o traído, além de levar o chifre, não fique pobre – diz.
A associação tem 5,8 mil filiados. Segundo Soares, há até deputados e vereadores em seu quadro. A entidade também se abriu ao longo dos anos para receber traídos dos dois sexos e de outras orientações sexuais. Antes, só homens heterossexuais eram aceitos.
– A infidelidade não escolhe. Todo mundo pode ser vítima – justifica.
Soares diz-se orgulhoso do trabalho que fez na capital de Rondônia, onde fica a sede da Ascron.
– Aqui, antes, quem era traído lavava a honra com sangue. Hoje, as pessoas preferem procurar ajuda.
Tipos de infidelidade
Há infidelidade e infidelidades. Nem todos os relacionamentos extraconjugais são iguais. De acordo com o escritor norte-americano Frank Pittman, autor de Mentiras Privadas, existem três tipos básicos de infidelidade: a acidental, a romântica e a crônica. A maioria dos primeiros relacionamentos extraconjugais é de casos de infidelidade acidental, não premeditados, que realmente "acontecem".
Tanto os homens quanto as mulheres podem escorregar e ter um caso acidental, contudo, os mais propensos, os quais correm maiores riscos, são os que bebem, os que viajam, os que não estão bem casados e aqueles que têm muitos amigos que "saem por aí".
Alguns daqueles facilmente traem são homens e mulheres que tentaram, na adolescência, dominar o jogo da sedução, mas não conseguiram. O mundo onde viviam não os achou suficientemente desejáveis e os deixou de lado. Com o passar do tempo, descobriram que não conseguiram levar ou ser levados para a cama por essa ou aquela pessoa, mas, de qualquer modo, conseguiram casar.
Mais tarde, se alguém se aproximar e demonstrar um interesse maior, podem perder a cabeça. Lembram-se do passado, quando ofereceram ao mundo sua sexualidade e ninguém quis. E tentam compensar.
Por outro lado, as pessoas que se sentem bonitas se acostumam com a lei da oferta e da procura e acabam aprendendo a aceitar e recusar. Já aqueles que não são ou não se sentem atraentes podem eventualmente se transformar em "mendigos sexuais" e aceitar qualquer proposta ("Hoje é o dia em que eu tirei a sorte grande. É agora ou nunca."). Para eles, a escolha é mais difícil.
As pessoas que traem ocasionalmente têm um casamento às vezes frustrante, às vezes tumultuado, como todos os casamentos. Mas, não a ponto de lavá-las a pensar seriamente em se separar. O parceiro que trai ocasionalmente não espera continuar a trair e muito menos se apaixonar.
INFIDELIDADE ROMÂNTICA
Apaixonar-se é a forma mais louca de infidelidade. É uma espécie de insanidade temporária. Isso acontece, em geral, não quando se encontra uma pessoa maravilhosa, mas quando se está atravessando uma crise na própria vida, não se sabe o que fazer e "ainda não se está pronto para acabar com tudo".
Amantes se dividem em dois grupos: os que amam os parceiros e os que amam o amor. Os que amam seus parceiros podem formar um vínculo; os que amam o amor, não. Esses são os verdadeiros românticos. Românticos não toleram muito bem pessoas reais, ou seja, quanto menos real for a situação, melhor. Eles costumam dividir o mundo ao meio: as pessoas por quem estão apaixonados (ou podem vir a se apaixonar) e as demais. Em geral, não gostam muito das demais.
Os românticos também podem ser divididos em dois grupos. Os suaves, ou parciais, e os intensos, ou totais. Os primeiros podem não reclamar da vida. Estão casados, mas têm a vaga sensação de que alguma coisa está faltando. Sentem-se razoavelmente felizes. E utilizam casos românticos como um remédio caseiro contra a depressão. Já os românticos totais mergulham em intensos casos de amor e transformam o casamento em uma prisão da qual sentem a necessidade de escapar.
Ambos os tipos normalmente entram nesses affairs numa época difícil da vida: quando os filhos crescem, quando os pais morrem, depois de uma doença grave, quando inesperadamente são promovidos ou perdem seus empregos. Enfim, em qualquer situação em que se tenha de encarar a realidade e amadurecer.
INFIDELIDADE CRÔNICA
Existe ainda outro tipo de infidelidade: a constante ou crônica. Isso significa pular de uma cama para outra. Na sociedade, essa é uma atividade considerada tipicamente masculina. Homens cronicamente infiéis estão interessados basicamente em afirmar sua masculinidade e, para isso, praticam sexo compulsivamente. Sentem-se no direito de se apaixonar ao sabor do acaso ("Afinal, isso é tudo o que vale a pena na vida").
Mulheres também podem ser continuamente infiéis. Quando isso acontece, ambos caem na agenda dos neuróticos: obter tanto prazer sexual quanto possível, no menor espaço de tempo possível. Como a obsessão pelo sexo é sua única razão de viver, praticamente não existem limites para o que fazem em busca desse prazer.

