Adriana Tanese Nogueira*
“Quanto se conheceram, o que te fez gostar dele?” “Ele era carinhoso, me tratava bem...” Então, assim que se casam, ela descobre que ele bebe todo final de semana, adora um churrasco e volta trêbado para casa, agressivo, vomitando bile e palavras de baixo calão. Passam dez anos assim e, finalmente, ela se separa. Isso graça ao fato de ter encontrado outro homem que, indiretamente, a ajudou a dar o salto. Outro homem... “Como ele era?” “Carinhoso...” Que toda relação comece no carinho é quase que a regra, e que toda relação seja complicada é uma segunda regra. Entretanto, muitas e muitas relações se limitam à busca surda, cega e muda por carinho. A pessoa já chega na relação com um vazio a ser preenchido. Maria encontra João que estava lá disponível, ele também com um buraco no peito ou talvez com umas cervejas a mais, depende. Os dois buracos se encontram. Como dois buracos podem se preencher e “se fazer feliz”?
Pessoas em busca de carinho são geralmente atenciosas (demais) com seus parceiros e delas a outra pessoa tira proveito. Se você se põe por baixo e aceita ser tratado como mordomo ou como mulher de cama ou como qualquer outra coisa que não lhe valoriza e cria uma relação de mão única, você estará fortalecendo a mão que abusa de você. É inevitável como 2 + 2 dá 4.
O carinho como motor original de uma relação é característico dos relacionamentos adolescentes. São crianças crescidas que procuram satisfazer as falhas ocorridas em seu crescimento. Elas querem um namorado para “tomar conta dele”, compensando os cuidados que não receberam. Eles querem uma namorada para que “tomem conta deles”, compensando assim os cuidados maternos que não receberam. Um faz a mãezinha e o outro faz o filhinho. Viver a vida toda assim?
A triste notícia para quem começa um relacionamento na base do “carinho” é que não dura e não pode terminar bem. Quando durar é porque os dois ficaram parados no tempo, cada qual vestindo aquele papel originário, protegendo e sendo protegido, cuidando e sendo cuidado - como criancinhas. Para manter a peça sempre igual, os atores não podem mudar de papel e assim o crescimento de cada um está barrado. Nem filhos são muitas vezes permitidos porque eles mudariam o cenário, exigindo do casal ou de pelo menos uma atitude adulta. E aí a mandinga se quebraria.
O buraco original, a carência devida à falta de amor parental (o “carinho”), não pode ser preenchida mais tarde na vida. O que ficou para trás, ficou. Para não sermos presas da criança triste e insatisfeita que temos em nós é preciso primeiro reconhecê-la. Reconhecer a dor original e o verdadeiro carinho que faltou - e que não pode ser recuperado. Reconhecer e chorar por essa perda. Chorar. Somente abrindo os olhos e encarando a ferida é que podemos superá-la. O que nossa mãe não nos deu, aquele amor incondicional e total que todo bebê e criança merecem ninguém mais pode dar. Assuma com coragem e chore.
Aceitar a perda é um ato de coragem e a única porta que abre para a maturidade. Se o luto pelo que nos foi negado tiver sido processado, então estamos abertos ao carinho adulto e responsável que não confunde o joio com o trigo. Adultos sabem reconhecer a quem pertence a mão que dá carinho e a boca que emite certas palavras e percebem quando por trás não há consistência e integridade. Porque só crianças namoram e se casam por “carinho”.
*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com

