As iniciativas desenvolvidas atualmente para restaurar o curso de água que banha os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, na Bacia do Rio Doce, podem não ser eficazes a longo prazo, caso os cenários climáticos futuros não sejam considerados. O alerta foi feito na pesquisa Adaptative Restoration Planning to Enhance Water Security in a Changing Climate, do Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas (LECE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), publicada em abril na revista internacional Ambio.
A pesquisa indica que, dependendo do impacto das mudanças climáticas sobre a erosão nas margens da bacia, devem ser alteradas as prioridades no trabalho de restauração ecológica, para minimizar a quantidade de sedimentos que serão levados rio abaixo e preservar a qualidade da água.
O trabalho foi desenvolvido no mestrado do biólogo Luiz Conrado Silva, no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Uerj, e usou a Bacia do Rio Doce como estudo de caso para realizar uma análise de como a recuperação da vegetação nativa nas margens dos rios, prevista pela Lei de Proteção a Vegetação Nativa (LPVN) de 2012, poderia influenciar a qualidade da água diante de diferentes cenários climáticos projetados para 2070. A metodologia utilizada foi a de Avaliação Integrada de Serviços Ecossistêmicos (InVEST), desenvolvida pela Universidade de Stanford, com a orientação da professora do Departamento de Ecologia da Uerj, a bióloga Aliny Pires.
Rompimento de barragens
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e provocou devastação ambiental e social na região, completa dez anos em 2025. O desastre, no dia 5 de novembro de 2015, resultou nas mortes de 19 pessoas e impactos em diversas comunidades ao longo da bacia. Em 25 de janeiro de 2019, outro rompimento de barragem, desta vez, em Brumadinho (MG), agravou os danos ambientais e sociais na região da bacia do Rio Doce.
Pelos cálculos dos especialistas, cerca de 2,2 milhões de pessoas dependem das águas da bacia.A intenção da pesquisa foi identificar benefícios da restauração ecológica para a qualidade da água, considerado o principal componente atingido pelo rompimento da barragem de Fundão. Para recuperar os danos e a destruição de ecossistemas, além de restabelecer a estrutura, a função e a biodiversidade do ambiente, segundo os autores, a restauração ecológica é uma resposta ativa à degradação ambiental. Eles indicaram que o plantio de espécies nativas, a recuperação de áreas impactadas com eventos de queimada e a criação de corredores ecológicos, estão entre exemplos de procedimentos recomendados.
Apesar disso, na visão dos pesquisadores,
. Conforme a avaliação, sem levar em conta os impactos futuros do clima, o que se espera hoje da restauração pode não se confirmar ao longo dos anos. A professora acrescentou que, em termos de estratégias, é preciso olhar para as áreas que estão mais conservadas e que, eventualmente, são negligenciadas no processo de restauração, como áreas fundamentais para serem incluídas nessa perspectiva.
“Duas coisas a gente acha fundamentais: a primeira delas é restaurar as áreas degradadas da porção alta da Bacia do Rio Doce e a segunda é conservar as áreas que estão presentes dentro ela”, indicou a bióloga em entrevista à
Agência Brasil.
Aliny Pires vê com satisfação a discussão de algumas iniciativas voltadas para o estabelecimento de unidades de conservação nessa porção do Rio. “Isso pode ter um benefício enorme, porque, além da restauração, a gente tem que garantir que a vegetação nativa presente nesses territórios não seja desmatada. Essa é uma informação em que a gente espera que a nossa pesquisa subsidie a tomada de decisão, para que a gente consiga proteger o alto Rio Doce e garantir que os benefícios que essa região pode trazer para a qualidade da água em toda a bacia sejam mantidos, sem deixar de considerar os processos de restauração e as possibilidades e outros benefícios associados na porção média e baixa do Rio”, comentou.

