Com opções de esportes, sala das emoções, fisioterapia, aulas de música, espaço voltado para pessoas com neurodivergências, entre muitas ferramentas de aprendizado e acolhimento, estudantes de Salvador vivem uma experiência de escola pública de ensino médio em tempo integral que vai além do currículo básico.
Aqui os alunos têm voz, são protagonistas, diz a diretora do colégio estadual Pedro Paulo Marques e Marques, Liliane Fonseca, em visita com jornalistas à escola. De acordo com a diretora, os estudantes participam ativamente da elaboração das atividades na escola. Foram eles quem apresentaram as instalações aos visitantes.
A unidade, com novo prédio inaugurado há três anos, foi a primeira a oferecer tempo integral nos novos moldes adotados pelo governo da Bahia, alinhados à estratégia do governo federal, com ampliação de estrutura física e de atividades.
Colégio estadual Pedro Paulo Marques e Marques, em Salvador - Foto: Instituto Natura
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"Ano passado, quando perdi meu primo, esse apoio foi fundamental para mim", relatou uma estudante, ao apresentar a sala
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Em outra sala, estudantes atípicos recebem orientações práticas sobre a rotina escolar e recebem acompanhamento escolar no contraturno.
Para o assessor da Secretaria de Educação da Bahia, Manoel Calazans, um dos desafios de ampliar a rede de ensino de tempo integral, no qual o estudante passa pelo menos 7 horas diárias na escola, ou 35 horas semanais, é conciliar atividades que façam parte do currículo, mas que também atraiam o desejo dos jovens de permanecer no ambiente escolar e isso passa por entender as singularidades de cada região. Não é só carga horária, ressaltou, durante a visita ao colégio.
Calazans ressaltou que a Bahia é muito diversa e que cada comunidade tem características que precisam ser levadas em conta, como um perfil rural, indígena, quilombola entre tantos outros.
A gente não pode ter aquela métrica do passado de achar que só com sala de aula a gente consegue manter o aluno.
A estudante Livy Vitória, de 16 anos, do curso técnico em Áudio e Vídeo na Pedro Paulo Marques faz parte da agência de notícias do colégio, uma das atividades disponibilizadas para os estudantes de tempo integral. Já é um conhecimento, uma vivência na área que eu quero atuar, diz a estudante, que quer fazer a prova Enem e concorrer a uma vaga no curso de designer gráfico ou produção audiovisual.
Política nacional
O ensino médio em tempo integral faz parte do Programa Escola em Tempo Integral, lançado pelo governo federal em 2023.
Segundo o Censo Escolar de 2024, a modalidade alcança 7.153 escolas do país, 35% delas, e 1,3 milhão de estudantes, o que corresponde a 20,9% dos alunos de escola pública. Entre 2020 e 2024, a porcentagem de alunos no ensino médio integral público saltou de 14,1% para 24,2%. Na Bahia, este número está abaixo da média nacional, com 20,9% das matrículas em tempo integral, equivalente a 135 mil alunos. Por outro lado, a oferta de ensino médio em tempo integral chega a 53,8% das escolas, acima da média nacional.Professora do Pedro Paulo Marques e Marques, Ana Pompilho diz acreditar que políticas públicas como Bolsa Família, Bolsa Presença (do governo baiano), Pé-de-Meia, fazem diferença na hora de manter o aluno na escola.
Percebi um engajamento mais acentuado dos estudantes, das famílias e um interesse maior dos alunos para fazerem o Enem, comparando com minha experiência anterior.
Alunos têm aulas de música no contraturno no Colégio Estadual Pedro Paulo Marques e Marques, em Salvador - Foto: Instituto Natura
Apoio técnico
Iara Viana durante visita ao colégio Pedro Paulo marques e Marques - Foto: Instituto Natura
A ampliação do ensino médio em tempo integral na Bahia conta com parceria firmada entre o governo do estado e o Instituto Natura para apoio técnico de gestão dos recursos públicos disponíveis. Outros 21 estados também contam com essa colaboração.
Doutora em educação, com atuação em políticas públicas educacionais, a gerente de Ensino Médio do instituto, Iara Viana, explica que a orientação técnica depende da demanda de cada local.
Uma realidade da história da educação do nosso país é que professores é que assumem o administrativo, a gestão das escolas, e acabam tendo que lidar com a gestão de pessoas, gestão financeira. Então o papel do terceiro setor é colocar essas especialidades, no campo administrativo, para garantir que a política pública seja de fato alavancada, detalhou.
A gente auxilia para que esses estados olhem para o recurso que têm, completou.De acordo com a pesquisadora, os contextos familiares brasileiros têm mudado e a escola passou a suprir outros papéis. A gente ensina esse estudante a se organizar, algo que as famílias ensinavam antes. Já tomou café? Organizou a mochila? Quais as aulas de hoje?, explica. Iara Viana conta que a escola precisou assumir esse lugar, o que requer mais tempo na escola
Ao receberem apoio técnico, alguns estados colocam como prioridade atrair mais alunos, outros, mantê-los na escola ou melhorar a infraestrutura. Na Bahia, a maior necessidade apresentada foi de melhora da qualidade do ensino. Iara Viana ressalta que com mais tempo na escola, é mais fácil diagnosticar as falhas de cada aluno e recompor essa aprendizagem.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da Bahia para o ensino médio ficou em 3,7 em 2023, o oitavo pior do Brasil, enquanto a média nacional ficou em 4,1.
Impacto
Estudantes participam da aula de capoeira na sala de lutas do colégio Pedro Paulo Marques e Marques - Foto: Instituto Natura
Pesquisas conduzidas pelo Instituto Natura apontam que o aumento de 10% nas matriculas no ensino medio de tempo integral no municipio gera, em media, um aumento de 3% nos empregos no setor formal, com impacto racial relevante: para estudantes pretos, pardos e indigenas, o efeito na geracao de empregos e tres vezes maior (4,5%) em comparacao aos estudantes brancos e amarelos (1,5%).
Em estados como o Ceara, o impacto da ampliacao destas matriculas e ainda mais elevado, com uma expansao de ate 9,8% nas admissoes formais.Outro resultado apontado pelo instituto é que cada mil jovens matriculados no ensino médio em tempo integral representa 114 adolescentes grávidas a menos; 737 mulheres a mais no ensino superior e 529 mulheres a mais empregadas.
*A repórter viajou para Salvador a convite do Instituto Natura.

