Pelo menos 120 mil bebês “foram roubados dos pais e vendidos” entre 1950 e 2006 na Geórgia, afirma a jornalista Tamuna Museridze, que dirige um grupo no Facebook dedicado a reunir bebês roubados aos seus pais.
Em um dos casos de adoção ilegal descobertos, a estudante georgiana Elene Deisadze estava navegando no TikTok em 2022 quando se deparou com o perfil de uma garota, Anna Panchulidze, que se parecia exatamente com ela. Meses depois, depois de conversarem e se tornarem amigas, as duas souberam separadamente que foram adotadas e, no ano passado, decidiram fazer um teste de DNA.
O teste revelou que elas não eram apenas parentes, mas também gêmeas idênticas.
“Tive uma infância feliz, mas agora todo o meu passado parecia uma decepção”, disse Anna, uma estudante universitária de inglês, à AFP.
Longe de serem um caso inocente de separação à nascença, as irmãs estão entre dezenas de milhares de crianças georgianas que foram vendidas ilegalmente num escândalo de tráfico de bebês que já dura há décadas.
O esquema, descoberto por jornalistas e famílias que procuravam parentes perdidos, viu bebês roubados às suas mães - muitas das quais foram informadas de que tinham morrido - e depois vendidos a pais adotivos na Geórgia e no exterior.
Os jornalistas descobriram que as adoções ilegais ocorreram ao longo de mais de 50 anos, orquestradas por uma rede de maternidades, creches e agências de adopção que conspiraram para tirar as crianças dos pais, falsificar registos de nascimento e colocá-las em novas famílias em troca de dinheiro.
'Nova realidade'
Elene e Anna, agora com 19 anos, começaram a desvendar o seu passado oculto há dois anos.
“Ficamos amigas sem suspeitar que poderíamos ser irmãs, mas ambas sentíamos que havia um vínculo especial entre nós”, disse Elene, estudante de psicologia, à AFP.
No verão passado, ambos os pais disseram independentemente às meninas que haviam sido adotadas – revelações que há muito planejavam fazer. Foi então que a dupla decidiu fazer o teste genético que revelaria que eram gêmeas idênticas.
'Compre um bebê'
O teste para Elene e Anna foi organizado com a ajuda da jornalista georgiana Tamuna Museridze, que dirige um grupo no Facebook dedicado a reunir bebês roubados aos seus pais.
Tem mais de 200 mil membros – incluindo mães que foram informadas pela equipe do hospital que seus bebês haviam morrido logo após o nascimento, mas descobriram anos depois que poderiam estar vivos.
Museridze criou o grupo em 2021 numa tentativa de encontrar a sua própria família depois de saber que tinha sido adotada.
Ela logo descobriu a operação de venda em massa de bebês.
“As mães foram informadas de que seus bebês morreram logo após o nascimento e foram enterrados no cemitério de um hospital”, disse Museridze. “Na verdade, os hospitais não tinham cemitérios e os bebês eram secretamente levados e vendidos a pais adotivos”.
Os novos pais muitas vezes não sabiam que as adoções eram ilegais e contavam histórias inventadas sobre as circunstâncias.
“Algumas pessoas, no entanto, escolheram conscientemente contornar a lei e comprar um bebé” para evitar listas de espera de uma década, disse Museridze à AFP.
Ela diz ter provas de que pelo menos 120 mil bebês “foram roubados aos pais e vendidos” entre 1950 e 2006, quando as medidas anti-tráfico do presidente reformista Mikheil Saakashvili acabaram por anular o esquema.
Na Geórgia, os novos pais pagariam o equivalente a muitos meses de salário para providenciar a adoção, enquanto os bebês traficados para o exterior eram vendidos por até US$ 30 mil, disse Museridze.
'Virtualmente impossível'
A mãe adotiva de Elene, Lia Korkotadze, decidiu com o marido adotar depois de saber que não poderiam ter filhos um ano depois de casados.
Em 2005, um conhecido lhe contou sobre um bebê de seis meses que estava disponível para adoção em um hospital local – mediante pagamento de uma taxa. Korkotadze disse que “percebeu que essa era minha chance” e concordou.
“Eles trouxeram Elene direto para minha casa”, disse Korkotadze, sem nunca suspeitar que houvesse “algo ilegal”. Mais de 800 famílias foram reunidas graças ao grupo de Museridze no Facebook.
Sucessivos governos georgianos fizeram múltiplas tentativas de investigar o esquema e efetuaram algumas detenções nos últimos 20 anos.
Fonte: AFP.