"Suas ações online e nas redes sociais podem ter consequências graves. É importante sempre ser cortês nas redes sociais. Expresse sua opinião com respeito e respeite os pontos de vista dos outros online", diz uma postagem recente das Escolas Públicas de Miami-Dade em sua página oficial do Facebook.
A mensagem não foi postada à toa. O aumento de ameaças virtuais a escolas e de casos de alunos sofrendo cyberbullying têm preocupado tanto os pais quanto os profissionais da educação. Além disso, séries e redes sociais também estão sendo motivo de problemas para crianças e adolescentes.
Por causa da pandemia, muitas crianças tiveram e outras ainda estão tendo aulas de forma online, mas todo esse tempo extra na internet também teve seu lado negativo. O aumento do uso da internet aumentou também a exposição das crianças e adolescentes nas redes sociais.
Recentemente, o Wall Street Journal publicou documentos internos do Facebook, mostrando que 32% das adolescentes que lidam com problemas de imagem corporal foram afetadas negativamente pelo Instagram.
Além de problemas de autoimagem, muitos alunos ficam acordados até tarde da noite, navegando nas redes sociais. Isso faz com que fiquem cansados durante as aulas, o que pode resultar em notas mais baixas e consequentes crises de ansiedade e depressão.
Diferente de quando não existia a internet, agora, os alunos estão constantemente cercados por seus colegas por meio da presença nas redes sociais. Isso também levou a um aumento do cyberbullying.
Normalmente, 1 em cada 5 jovens relata ser intimidado na escola a cada ano, e 1 em 6 relata ser intimidado online, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Para os alunos envolvidos em bullying - seja como vítima, agressor ou mesmo apenas uma testemunha - “as taxas de problemas de saúde mental são mais altas, a frequência escolar é menor e os alunos têm menos probabilidade de se sentirem seguros”, disse Jennifer Greif Green, coautora de um artigo do Wheelock College of Education & Human Development da Boston University.
A paulista Gil Machado sabe bem o que é ter que lidar com o cyberbullying. Recentemente, seu filho, Richard Lourenço Machado, de 14 anos, que possui deficiência e se locomove com cadeira de rodas, foi ridicularizado e chegou a receber ameaça de outros alunos da escola pelo Instagram. A família, que mora em Boca Raton, ainda está processando tudo o que aconteceu e acompanha o caso junto com a polícia e a Slam Boca Charter School.
"Confesso que durante umas duas semanas andei desconfiada com alguns acontecimentos, queimaram a perna dele com alguma coisa, como ele não sente, não percebeu nada de diferente! Sobre a mensagem, na hora ele não ligou muito, mas depois ficou com medo de ir para escola para não jogarem ele da escada abaixo com citaram no Instagram", afirmou em entrevista exclusiva ao Gazeta News.
Para ela, o principal é ter paciência e conversar com o filho, realçando que deve ser alguém com algum problema, com falta de amor e de atenção. "É preciso ter mais conversas entre as famílias. O mais importante é ter educação e respeito com o outro", ressalta.
"Na minha opinião, tudo isso vem acontecendo pela falta de educação das crianças em casa. Falta de limites. Hoje, os pais trabalham demais, ainda mais aqui, e com isso eles (os filhos) acabam tendo facilidades e liberdade de fazer o que bem querem, pois muitos não estão sendo vigiados pelos pais ou seus cuidadores", salienta.
Jogador de basquete, Richard faz parte do Sharks, um time estadual da National Wheelchair Basketball Association (Associação Nacional de Basquete em Cadeira de Rodas).
Depois do que aconteceu, Machado se tornou voluntária na escola. "Para tentar protegê-lo. Pelo menos para me sentir perto se algo acontecer".
As redes sociais têm sido cada vez mais usadas pelas crianças. Mas além da exposição, onde a criança fica vulnerável a comentários maldosos, o tempo em que ela passa na internet também pode ser prejudicial.
"É um fenômeno onde as pessoas gravitam em torno de mistérios sobre a condição humana e a experiência humana, seja a perda ou, neste caso, o amor e as relações humanas", disse Brooke Erin Duffy, professora associada de comunicação da Universidade Cornell à rede NBC.
Por outro lado, as redes sociais também têm sido cada vez mais usadas em investigações sérias pela polícia para tentar encontrar pistas e desvendar crimes reais. São usadas para identificar racistas e pessoas espalhando desinformação sobre tópicos como as vacinas de Covid, por exemplo.
No entanto, o TikTok, Youtube e outras redes vêm servindo também como um lar para muitos vídeos de teoria da conspiração e propagação de notícias falsas que acabam prejudicando a vida de muita gente.
Psicanalista brasileira do Instituto Internacional de Educação Psicológica e Espiritual, Adriana Tanese, analisa o aplicativo de vídeos TikTok como uma "expressão dos nosso tempos, em que a capacidade de atenção dos jovens está sempre menor, ao mesmo tempo em que a escola está em crise e não oferece mais estímulos para a curiosidade, para o co-conhecimento, para o interesse, para a abertura mental, enfim para visões mais amplas da realidade".
Para Tanese, como a escola se reduziu a realização de tarefas, as crianças não têm muitas alternativas e a influência do grupo de amigos é muito forte porque não há algo que contrabalanceie.
"Essa influência de amigos é normal no desenvolvimento evolutivo da personalidade, porém, quando a criança e o jovem não têm em casa estímulos que as façam refletir, que lhes deem outras formas de pensar, de viver a vida, a criança não tem noção, não tem como ela desenvolver o senso crítico. Muitos pais também não tem esse senso crítico e como elas não vivem em um universo separado dos pais, eis o problema. Enquanto elas têm o TikTok, os pais têm o Intagram e o Facebook, por exemplo. Temos esses espaços sociais online hoje em dia, mas eles não podem se resumir nisso. A vida e os interesses de mundo não podem se resumir a isso. As crianças estão mais adultizadas, enquanto os adultos são sempre mais infantilizados nas redes sociais".
"Para mudar isso, em primeiro lugar, entendo que os pais preocupados com seus filhos, pelo uso que fazem da internet e redes sociais hoje, deveriam começar a se questionar sobre o que eles podem oferecer aos filhos que dê a eles uma alternativa. Em segundo lugar, tentar entender, a partir da perspectiva do filho, o que ele encontra nesses aplicativos, o que ele busca. Cada criança tem suas carências, suas necessidades, suas dúvidas, sua insegurança, seus desejos. Então, é preciso entender antes de tudo o que o TikTok ou outra rede social está preenchendo na vida e na personalidade da criança. Aí sim, poderá entender e analisar o significado e os efeitos, as consequências da internet na vida delas", orienta a psicanalista.
Sucesso da Netflix em 2021, a série tem conteúdo violento, é indicada para maiores de 16 anos, mas mesmo assim os relatos de crianças assistindo são inúmeros.
Mas por que pode ser perigosa para o público infantil? Pela falta de capacidade das crianças e adolescentes para entender e separar a vida real da imaginária, aponta Tanese.
"A série espelha perfeitamente, de forma fiel, a nossa realidade de que: 1- as pessoas estão desesperadas; 2 - que elas focam a solução desse desespero no dinheiro, exatamente como nossa vida de hoje. Mas nosso desespero não é só pelo dinheiro, mas por um sentido na vida. E como nossas crianças de 10, 11, 12 anos, ainda são muito pequenas para ter noção e entender o que é a vida real. Eles vivem rodeados de 'faz de conta', de personagens, de videogames, de internet. Por isso são facilmente levadas por esses outros lugares que expressam o desespero existencial que elas carregam. É muito sério isso e o fato de ter tido tanto sucesso confirma que há algo na série que fala sobre esse desespero profundo, não é superficial. Então a criança ou adolescente que assiste, deveria ser olhada com muita atenção e profundidade pelos pais e professores", reflete.
Outra ponto destacado pela psicoterapeuta é que, na série, as pessoas morrem pelo dinheiro, mas essa morte é simbólica. "A pergunta que deve ser feita é: O que que está morrendo nas pessoas ao fazer qualquer coisa pelo dinheiro, como se o dinheiro fosse um novo 'Deus'?", opina Tanese.