Os litígios têm se tornado um problema sério nos EUA. A indústria das indenizações gerou custos diretos aproximados de $260 bilhões em 2004, que se traduziram em $886 por pessoa, e mais vários bilhões em custos indiretos, de acordo com levantamento feito pelo Instituto de Informações de Seguros (Insurance Information Institute - III). Os consumidores norte-americanos pagam diretamente por isso, assistindo à elevação dos preços dos seguros por responsabilidade civil (liability), uma vez que as taxas destes tipos de seguro são calculadas com base nos valores desembolsados pelas seguradoras para defender seus clientes de alguma acusação.
De acordo com o Instituto, os Estados Unidos têm o mais caro sistema de litígios civis, cujo custo é mais do que o dobro de outras nações industrializadas. Uma das características deste sistema tem sido, ao longo dos anos, as sentenças milionárias. O III avalia que a possibilidade de uma corporação chegar à falência por causa de um processo de indenização na justiça nunca foi tão grande na história da justiça civil norte-americana.
Quase uma em cada seis sentenças proferidas pela justiça chega a $ 1 milhão ou mais. De acordo com estatísticas do setor, mais de 7% das empresas enfrentaram perdas por ações de reponsabilidade (liability) de $5 milhões ou mais, nos últimos cinco anos.
O mais impressionante é que a maioria do dinheiro movimentado em ações civis nunca chega aos reclamantes. Apenas 22% do dinheiro movimentado em ações em favor de vítimas de perdas econômicas chegam a elas; 24% são destinadas a perdas não-econômicas (prejuízos emocionais, traumas, danos físicos, etc.), e pelo menos 54% do dinheiro movimentado em ações civis, nunca chegam às mãos das vítimas. A estimativa é de que 21% vão para custos de administração na movimentação dos processos, 19% para honorários de advogados, 14% para custos de defesa.
Tudo isso mostra que, por causa da distorção do sistema, nem sempre vale à pena confiar que o seguro será a solução para todas as perdas. O especialista em seguros, Marcos Schilling, proprietário da Schilling Insurance observa que um dos fatores que contribuem grandemente para que as indenizações de seguros não cheguem integralmente às mãos dos segurados, é a contratação de serviços legais. “Logicamente estas entidades cobram um percentual sobre o valor pago, que pode chegar a até 40%”, estima. Ele defende uma negociação direta entre seguradora e segurado. “As negociações devem ser feitas entre a companhia de seguro e o segurado somente. Qualquer intromissão pode causar apenas uma coisa: o aumento do prêmio para todos”, afirma Schilling.
Existem, no entanto, outros motivos que justificam tais números. Não é incomum que vítimas de pequenos acidentes de trânsito sem conseqüência física, por exemplo - entusiasmadas com tão conhecidas indenizações milionárias já pagas neste país - sintam-se estimuladas a buscar advogados a fim de ingressar na justiça com o objetivo de requerer indenizações alegando lesões musculares ou ortopédicas. Na maioria dos casos, quando não há lesão que, de fato, justifique uma indenização, a iniciativa resulta apenas em perda de tempo e energia.
Mas, como toda moeda tem dois lados, conhecer os próprios direitos e contar com um bom advogado neste país pode fazer com que eventuais danos transformem-se em uma boa compensação financeira. Não são poucos os registros da justiça neste sentido. Na última semana, a Suprema Corte de New Jersey decidiu que torcedores de baseball têm o direito de ser compensados por um time caso sejam atingidos por uma bola, depois que um torcedor de Newark recebeu uma bolada ao assistir a um jogo no estádio Bears and Eagles Riverfront, em agosto de 1999.
Em Iowa, a Corte de Apelação do estado deu parecer favorável à família de uma idosa de 86 anos para que processe a cidade de Maquoketa, depois que a mulher caiu ao tentar subir as escadas de um centro comunitário da cidade. No estágio de apelação, a corte entendeu que a cidade é responsável por uma manutenção imprópria do local, que teria levado a idosa à queda.
Em New Orleans, logo após o furacão Katrina, John M. Lyons Jr. apresentou ação na justiça contra Mark Morice, que admitiu ter utilizado o barco de 18 pés do vizinho John para resgatar da enchente mais de 200 pessoas, incluindo um paciente de hemodiálise de 93 anos. Morice, no entanto, não tinha autorização do vizinho para utilizar o barco, mesmo porque o vizinho estava desaparecido. Lyons agora quer uma indenização de $12 mil.
Seguros Imobiliários
No mercado de seguros de imóveis a situação não é diferente. Na Flórida, por exemplo, a ocorrência de furacões fez com que muitas empresas de seguros sofressem perdas astronômicas. Schilling diz que a experiência de furacões na Flórida reduziu as alternativas de seguro para os proprietários de imóveis. “O seguro de casas depois de vários furacões como o Wilma foi seriamente afetado porque 90% das companhias Não tinham reservas suficientes para pagar. Agora, apenas uma companhia, a Citizens, que é subsidiada pelo governo, inscreve seguros para casas na Flórida”, explica Schilling.
Ele classifica a atual situação do mercado de seguros de imóveis na Flórida como “caótica”, uma vez que os prêmios (prestações) de seguro são altíssimos, chegando algumas vezes a 2% ao ano do valor do imóvel.
Denúncia
Na Flórida, a mineira Walkyria Tosa Gouvea decidiu processar o restaurante Taste of Brazil depois que, no dia 16 de julho, encontrou o que definiu como uma lâmina de um ralador de queijo de aproximadamente ¾ de inche dentro de seu pedaço de pizza. A brasileira teve um dente posterior quebrado, e agora quer ser indenizada. “Foi o primeiro pedaço de pizza que peguei.
Senti coisa dura e na mesma hora cuspi, vi o pedaço de metal cortante que, se tivesse engolido, talvéz não estivesse viva para contar a história. Quebrei um dente e estou sentindo outro dente mais sensível”, disse Gouvea, que foi ao restaurante com a filha de quatro anos e seis amigos.
Gouvea confirma que uma das sócias do restaurante, Érica Abadio a acompanhou a um consultório dentário e pagou pela consulta. “A dentista brasileira disse que eu tinha uma cárie no dente, e que foi essa a razão dele ter quebrado. Resolvi procurar mais dois dentistas americanos, que fizeram exames de raio-x e não encontraram nenhuma cárie”, disse Gouvea, que agora quer uma indenização de $ 5 mil. “Meu advogado está solicitando $5 mil, que já incluem os custos dele de 33%. Ficarei com $3.350 e terei que pagar $4 mil no tratamento dentário, ou seja, terei que tirar do bolso $650”, argumenta Gouvea.
Procurada por telefone pela reportagem do Gazeta, a sócia do Taste of Brazil, Érica Abadio, dispôs-se imediatamente a comentar o assunto, e reconheceu que houve um acidente. “Não foi uma lâmina, foi um pedacinho de metal de uma máquina. Quando se fala lâmina aumenta-se três vezes o tamanho. Ela foi muito bem atendida na hora, pedimos desculpas, e agora ela está usando de muita má fé”, disse Abadio.
Segundo ela, a intenção de Gouvea é que o restaurante pague todo o seu tratamento dentário. “Não é a título de indenização, ela quer que todo o tratamento seja pago. Ela quer dinheiro, e está sendo oportunista”, disse Abadio, pouco antes de passar o telefone para quem disse ser seu sócio, e apresentou-se apenas como Alex. Depois de alguns minutos de conversa, Alex disse que o restaurante não se pronunciaria sobre o assunto.
O advogado de Walkyria Gouvea foi procurado pela reportagem do Gazeta mas até o fechamento desta edição não havia respondido às ligações.
Previna-se
Moradora da Flórida, Suely Magalhães lembra que há dez anos foi vítima da própria desinformação e da má fé de um grupo de advogados cubanos que, ao presenciarem um acidente de trânsito que a envolveu, a conveceram a requerer indenização por supostas possíveis lesões “que ela mais tarde começaria a sentir”, segundo eles.
Depois de comparecer a inúmeras sessões com um quiroprata indicado pelos advogados, Suely descobriu que do total da indenização, nem um centavo foi destinado a ela, e aprendeu a lição. Chegou ainda a ser ameaçada ao questionar o fato e ouviu o clássico aviso: “Você não sabe com quem está se metendo”.
O milionário mundo das indenizações nos EUA acabou gerando uma distorção no mercado de seguros e, além disso, atraindo a atenção de fraudadores. O episódio ocorrido com Suely mostrou-se uma das fraudes mais conhecidas quando se fala em seguro de acidentes de trânsito.
Conheça as três modalidades de fraudes mais comuns, e evite ser vítima de uma delas:
Falsa ajuda
Pessoas supostamente de boa fé oferecem ajuda a uma vítima de acidente de carro, indicando uma oficina, um médico ou um advogado. Neste caso, todos estão envolvidos no esquema fraudulento. A oficina cobra valores absurdos, e o médico e o advogado prestam informações não verdadeiras para conseguir dinheiro da seguradora.
Falsos Acidentes
Um motorista de má fé provoca um acidente freando bruscamente seu carro para que o carro de traz bata no seu. Além de receber dinheiro do seguro pelos danos ao carro o motorista mal intencionado finge lesões, geralmente musculares ou de coluna, para receber indenização do seguro.
Falsos Danos
Após um acidente de carro, o motorista retira o veículo do local do acidente e provoca danos ainda maiores ao carro, a fim de solicitar uma indenização maior ao seguro.