É chocante ver como as elites brasileiras sofrem com a “incômoda” presença do povo.
Mais ainda se esse “povo” for um analfabeto. Pior, se tiver como profissão a de palhaço de circo e tv.
A eleição de Tiririca para a Câmara Federal com mais de 1 milhão e 350 mil votos vem sendo interpretada como tudo: “voto de protesto”, “voto de escárnio”, “voto da esculhambação”, enfim, rótulo é o que não falta. Eu só não vi ainda, na mídia, a tão famosa “imprensa séria do Brasil”, quem se dispusesse a colocar os “pingos nos is”.
Pelas leis brasileiras, qualquer cidadão que esteja em dia com a Lei, pode votar e ser votado. Exige-se que seja alfabetizado (saiba ler e escrever), mas a partir do momento que a Justiça Eleitoral homologa a candidatura e o cidadão é eleito, seu mandato não pode ser suprimido porque “descobriram que ele era analfabeto”.
Menos mal que o juiz encarregado de julgar o mérito do esdrúxulo pedido de impugnação da vitória de Tiririca – legítima e honestamente obtida nas urnas – arquivou imediatamente essa pretenção autoritária, arrogante, um típico “entulho elitista e anti-democrático”, que, infelizmente, é cultivado por muitos brasileiros.
É muito engraçado ver os “tiques nervosos” de quem fica chocado com má presença de um brasileiro simples nas altas esferas políticas do país. É a mesma gente que ridicularizava as limitações acadêmicas e culturais do Presidente Lula. Imaginem o que deve ter custado a esses preconceituosos, ao ver que o “metalúrgico semi-analfabeto” se tornou um dos mais brilhantes e bem sucedidos líderes brasileiros de todos os tempos, reconhecimento esse vindo de todas as partes do mundo.
Mais revoltante foi ver em publicações, impressas e eletrônicas, referências jocosas a Tiririca, pelo simples fato do palhaço (que no Brasil serve como substantivo e pejorativo, ao mesmo tempo), como se uma pessoa simples não devesse ter “o topete” de se candidatar.
Pois eu lhes digo que em tudo a candidatura e eleição de Tiririca é legítima. Até suas bizarras confissões públicas, de que estaria se candidatando para “ajudar a família” ou desconhecendo “o que é que faz um Deputado”, são muito mais honestas e verdadeiras do que a avalanche de demagogia imunda e barata, festival de hipocrisia e mentiras que os tais “políticos qualificados” despejaram nos ouvidos dos eleitores.
Vocês sabem porque? Porque a forma como a Política e os políticos (não todos, mas de uma maneira geral) se “materializaram” no inconsciente coletivo do povo brasileiro, é como um mecanismo puro e simples de acesso fácil, rápido e totalmente impune, a benefícios, privilégios, mamatas e maracutaias, usando o dinheiro público.
O fato é que, para grande parte do povo brasileiro, ser honesto se tornou sinônimo de “ser otário”. Quem busca a política, via de regra, é para “se dar bem”. E mais: como a “fórmula” da “Política-Escada para a Maracutaia” está muito bem sedimentada na visão cínica e realística de muitos brasileiros, somente décadas de aprimoramento nos quadros legislativos e executivos do país, poderão recuperar a imagem da Política e dos políticos.
Tiririca pode estar tentando apenas “dar uma ajeitada” em sua vida, e foi exemplarmente manipulado pelo “partido” que lançou sua candidatura, o agora “famoso” Partido da República.
O nosso jocoso palhaço “arrastou” com sua votação milionária, mais 3 espertíssimos Deputados Federais a Brasília. Mas isso não tem nada a ver com o direito inalienável que ele tem de se candidatar e, como foi, ser eleito. E se ele de fato for analfabeto, que sua candidatura fosse impugnada antes, como foram as de outros políticos, por razões diversas. Ninguém denunciou Tiririca antes porque as lideranças e os outros candidatos estavam considerando a candidatura de Tiririca, “uma piada”. Como se viu, não era.
Para crescer como Nação, o Brasil terá necessariamente que entender o que é Democracia. Lembro de quando mudei para os Estados Unidos, grã-finos brasileiros ficavam escandalizados quando suas empregadas estacionavam seus carros ao lado dos deles, geralmente carros tão bons quanto o dos patrões. Democracia é isso: igualdade. Quem não entender isso, absorver isso e incorporar esse valor como essencial, se torna um elemento anacrônico, incapaz de entender que é na convivência das diferenças e no respeito à diversidade que reside a única possibilidade de salvação. Para o Brasil e para o planeta.

