Em medicina, o termo “abdômen agudo” significa uma dor abdominal severa, intensa, insuportável. Na definição da Wikipédia: “Abdômen agudo é uma abreviação para dor abdominal aguda, e se refere a qualquer dor súbita e intensa no abdômen que leva a vítima a procurar socorro médico. Se não tratado, costuma evoluir para deterioração clínica do doente. Em muitos casos é uma condição de urgência que requer diagnóstico rápido e específico. O tratamento geralmente envolve cirurgia”.
Quando se trata de seres humanos, a capacidade de procurar ajuda médica é facilitada pela racionalização dos sintomas. A dor é tão forte que é imediatamente reconhecida como uma emergência, e lá se vai o paciente procurar o seu doutor.
Mas, no mundo animal, como reconhecer a severidade dos sintomas? A responsabilidade, neste caso, está inteiramente nas mãos dos donos (a correlação na medicina humana mais apropriada é quando se trata de um bebê, um filhote de gente, que não pode comunicar efetivamente a sua dor e os pais tem que interpretar os sintomas e entender a gravidade do problema como uma emergência médica).
Na semana passada, uma cliente preocupada me mandou fotos para meu iPhone. As fotos eram simplesmente pilhas de vômito espalhadas pela casa. O seu cachorrinho Buddy (um mestiço de São Bernardo com Mastiff, aí você imagina o tamanho das pilhas de vômito) estava com algum problema gastrointestinal. Ai, meu Deus do céu, o que aconteceu com as fotos dos animais fofos fazendo travessuras com expressões engraçadinhas que eu costumava receber pelo correio antes da invenção das fotos-texto? Hoje em dia, eu recebo de tudo: fotos de vômitos, diarréia, carrapato, dermatites, olhos vermelhos, pus, testículos inchados, etc. Agradeço aos gurus da tecnologia moderna.
Voltando ao assunto. Como era tarde e já havíamos encerrado o expediente, eu respondi dizendo que, por favor, levasse o seu cachorrinho amanhã de manhã bem cedo para um exame físico completo, exame de sangue, radiografias e ultra-sonografia.
Na manhã seguinte, a dona do paciente me explicou que ele já não comia há dois dias e que estava muito letárgico. Eu questionei a possibilidade de ele ter entrado em contato com algum veneno, ou de ter revirado a lata de lixo ou comido meias/sapatos/toalhas/cordas/tapetes/almofadas ou outros objetos não comestíveis na ausência dos donos, alguma mudança nos hábitos alimentares, etc, etc; ela disse que nada de anormal havia acontecido. Vale a pena ressaltar que os donos nem sempre sabem se o animal fez alguma loucura na sua ausência. Na semana anterior, a essa, eu tive que remover por via cirúrgica cinco meias do estômago de um buldogue americano. Os donos ficaram completamente surpresos com o achado, pois nunca sequer sentiram falta das meias (estranho, não? Principalmente com um número impar de meias!). Pois bem. Recomendei a hospitalização do Buddy, pois ele já estava desidratado por conta dos vômitos. Ela aceitou e o deixou sob os meus cuidados. O exame físico revelou dois achados preocupantes: palidez nas gengivas e uma “massa” palpável no abdômen. O exame de sangue mostrou que o animal, de fato, estava anêmico. A primeira suspeita era de sangramento interno da massa. Com as radiografias, a confirmação de que algo muito grave estava acontecendo: um órgão ou tumor muito grande estava ocupando quase a totalidade da cavidade abdominal. Com o ultrasom se confirmou que havia fluído dentro da cavidade e, possivelmente, esta era a fonte da anemia do Buddy; o fluído dentro da cavidade abdominal provavelmente era sangue. Concluímos que o baço estava grandíssimo, e sangrando. Devido a essa perda de sangue, uma cirurgia de emergência seria o mais sensato.
A dona do Buddy foi comunicada imediatamente. Expliquei para ela que a cirurgia era delicada. Ele já havia perdido uma quantidade considerável de sangue e iria precisar de uma transfusão. O resultado da cirurgia não era garantido: o risco de vida para o cãozinho era uma realidade. Depois do choque inicial, e também muitos soluços, ela concordou com a cirurgia e a transfusão.
A cirurgia levou aproximadamente 2 horas. Uma incisão que se estendia desde a ponta do osso externo até a área do prepúcio, foi feita. O baço estava completamente inchado e deformado, e realmente, à primeira vista, não se via mais nada. Com o auxílio da minha assistente (e filha) Luisa, conseguimos expor o órgão em sua totalidade e eu iniciei o isolamento dos vasos sanguíneos para poder extrair o baço sem sangramento adicional. Felizmente, apesar da grande perda de sangue e da dor suportada pelo animal durante (pelo menos) dois dias, Buddy está se recuperando bem.
A remoção do baço se chama esplenectomia. As principais condições que levam à esplenectomia são:
Trauma
Um animal que sofre um acidente de carro, é atropelado ou atacado por outro animal, leva um chute ou um coice, pode ter lacerações do baço, que sangram intensamente, podendo levar à morte da vítima.Tumores
A causa mais comum de esplenectomia em caninos. Os tumores podem ser benignos ou malignos. Quando o tumor é benigno, a simples remoção do órgão resolve o problema e o animal pode viver normalmente. Já no caso dos tumores malignos, a expectativa de vida após a cirurgia é de mais ou menos entre seis a nove meses, dependendo do tipo de tumor. Estender a vida de um animal por alguns meses pode não parecer muito, mas para os donos dos pacientes de câncer, estes meses de vida tem um significado importantíssimo.Rotação do baço
A rotação do baço é, quase sempre, acompanhada da rotação do estômago, uma condição muito séria que pode levar à morte do animal em poucas horas. A remoção do baço e de rotação do estômago são imprescindíveis para salvar a vida do animal, e a cirurgia deve ser feita em regime de extrema urgência.Nesse momento, ainda não sabemos porque o baço do Buddy ficou tão grande e deformado. O peso do baço dele era de 8 libras (3.63 quilogramas) muito maior do que o normal, de mais ou menos meio quilo para um cão do tamanho dele. Mandamos fazer exame histopatológico (uma biópsia) para saber se foi câncer, tumor benigno ou rotação. Com certeza, sabemos que a causa não foi traumática.
Mas se o baço pode ser removido, ele não é um órgão importante? Na verdade, o baço tem funções importantes, mas é possível viver sem ele.
O baço é um órgão que estoca células de sangue no seu interior, e, portanto, uma de suas funções é a liberação de hemacias para a circulação num caso de hemorragia aguda. Nestes casos, os músculos involuntários do baço se contraem e lançam um suprimento de sangue novo para a circulação, como se fosse uma transfusão sanguínea interna.
Função do Baço
O baço também serve para tirar de circulação as células sanguíneas velhas. Quando essas células passam por dentro do baço, elas se rompem e o conteúdo de ferro das células rompidas é aproveitado e reciclado pelo baço.O baço tem também a função de isolar hemacias que contêm doenças parasitárias do sistema sanguíneo. Células vermelhas infectadas são efetivamente isoladas da circulação. O baço também é um órgão linfático (como os gânglios). Os gânglios, assim como o baço, são centros de atividade do sistema imunológico, e produzem linfócitos que participam da guerra contra invasores: bactérias, vírus, etc.
Em cães, algumas raças apresentam predisposição ao desenvolvimento de tumores do baço. Entre essas raças se encontram: Golden Retrievers, Pastores Alemães, Dobermans, entre outras, principalmente os cães de raça grande ou gigante.
É fácil entender que uma hemorragia originada no baço é uma hemorragia severa, pois o baço tem a capacidade de armazenar uma quantidade enorme de sangue. Infelizmente, devido ao fato de que a hemorragia é tão aguda, muitos cães morrem antes ou durante a cirurgia. A complicação mais comum de uma esplenectomia é a hemorragia, mas arritmias (principalmente durante a cirurgia e no período de recuperação anestética), infecções pós-operatórias, peritonite, adesões, e outras complicações são possíveis. Após a cirurgia, o animal pode precisar de antibióticos, ou não, dependendo da opinião do médico veterinário, mas todos os veterinários concordam que um controle de dor muito efetivo é necessário para o conforto do paciente e para a sua recuperação mais rápida.
As aparências enganam, e os animais têm uma maneira especial de se comunicar. Portanto, muita atenção se o seu cão está demonstrando desconforto abdominal, letargia e vômitos. Os vômitos podem ocorrer devido à dor ou ao fato de que o baço está botando pressão no estômago. Se o animal tem as gengivas pálidas e apresenta fraqueza súbita, leve-o imediatamente ao seu veterinário, pois cada minuto é precioso!
Dr. Paula Ferreira - Ferreira Animal Hospital | www.ferreiravetcare.com

