Com um misto de alívio e entusiasmo, recebemos a notícia de que a ação apresentada por um grupo de advogados de Imigração, em Miami, na última quinta-feira, tenta impedir que os pais indocumentados de crianças nascidas nos Estados Unidos, sejam deportados. A medida, longamente ansiada por dezenas de milhares de famílias em todo o país, sempre foi tratada como “tabu”, porque até recentementes (leia-se, antes dos ataques de 11 de setembro de 2001) eram raros os casos de deportação de pais indocumentados de filhos cidadãos norte-americanos.
Entretanto, a onda do endurecimento contra os indocumentados acabou atingindo muitas famílias que estão há anos vivendo nos Estados Unidos e que têm filhos nascidos em terrritório norte-americano, portanto, cidadãos plenos do país.
A ação, apresentada na Corte Distrital de Miami, tem como objetivo imediato regularizar o status de 60 famílias do Sul da Flórida. Representantes das entidades Honduran Unity, Nicaraguan Fraternity e Peruvian-American Coalition solicitaram à corte uma liminar para evitar deportações, com a argumentação de que elas ferem os direitos civis das crianças norte-americanas. Há um consenso nos meios jurídicos de que essa petição é totalmente protegida pela Constituição dos Estados Unidos e só mesmo uma “decisão política” fará com que juizes não concedem esse benefício.
Os filhos norte-americanos de imigrantes indocumentados tem direito constitucional a permanecer no seu país de nascimento e também têm direito a estar ao lado dos pais, recebendo suporte familiar, moral, afetivo e material.
Os que se opõem à medida, as mesmas organizações anti-imigrante que não se cansam de lutar contra qualquer possibilidade de legalização para os indocumentados, argumentam que muitos desses pais indocumentados tratam de, tão logo cheguem ao território norte-americano, ter filhos para com isso garantir o que chamam pejorativamente de “efeito âncora”.
O alcance de uma decisão nesse sentido é imenso. Calcula-se que existam mais de 1 milhão de crianças norte-americanas entre 1 e 13 anos de idade, filhos de indocumentados. Essas crianças são, sob todos os pontos de vista da Lei, cidadãos norte-americanos com os mesmos direitos que o Presidente George W. Bush.
A ação apresentada inclusive lista como réu o próprio presidente Bush, o advogado Geral da União Alberto R. Gonzales, o secretário de Segurança Interna (Homeland Security), Michael Chertoff e oficiais federais de imigração.
Cautelosos, os advogados que apresentaram o projeto argumentam que a aprovação dessa liminar protegeria as crianças, enquanto o Congresso analista os projetos sobre reforma imigratória, em fase de discussão na Câmara e no Senado.
No contexto geral, é mais um “round” na luta por uma reforma imigratória que solucione a vida de 12 milhões de indocumentados que vive atualmente no país (segundo estimativas do próprio governo, quando na verdade, outras agências não-governamentais estimam esse número em mais de 15 milhões).
Conversando com advogados de imigração que sempre nos dão consultoria nesses casos, pude entender que essa questão está longe de ser uma novidade, mas nunca antes representou maior significado, em razão de serem pouco comuns os casos de deportação de pais indocumentados com filhos cidadãos norte-americanos.
“A maioria dos casos tinha evidentes antecedentes criminais e essas deportações foram, amparadas pela própria Constituição. Mas quando você se depara diante dos milhares de casos de famílias ordeiras, trabalhadoras, que pagam seus impostos e levam uma vida decente, os juizes raramente determinavam uma deportação. Essa tradição começou a ser quebrada recentemente devido à atmosfera anti-imigrante que assolou do país”, afirma um advogado que prefere não se identificar.
Há muitas ironias nesse país fantástico que são os Estados Unidos. O “Império da Lei” que tantas esperanças dá a quem viaja no “Sonho Americano” é capaz de colocar o Presidente da República no banco dos réus numa questão onde os direitos humanos e constitucionais dessas crianças não pode ser relegado.
Por outro lado, fica evidente o “jogo amargo” que vem sendo imposto pelos legisladores a esses 12 ou 15 milhões de seres humanos cuja única “culpa” real foi sair de seus países de origem em busca de uma vida melhor para sí e para seus filhos. E se, de fato, temos que reconhecer que alguns filhos gerados por imigrantes indocumentados o foram também por uma “ilusão” de que esses filhos norte-americanos lhes dariam alguma possibilidade extra de permanência legal, a maioria desses filhos foram gerados pelo curso natural da vida dessas pessoas. Até porque o risco de ser ver separado dos filhos é grande demais para ser corrido de forma tão leviana. A esmagadora maioria dos indocumentados é latina e como reza a forma de ser e agir dos latinos, o uso dos filhos como “instrumento de barganha” é um dos mais imorais dos atos.
Vamos acompanhar de perto o andamento desse julgamento, que afeta uma expressiva quantidade de brasileiros indocumentados que vivem nos Estados Unidos.